Ao completar 300 anos, a cidade histórica das Gerais respira novos ares e inaugura roteiro que privilegia o emblemático queijo de Minas.
Por Fabíola Musarra
Tiradentes é surpreendente. Quando a gente pensa que já conheceu tudo que a cidade histórica de Minas Gerais pode proporcionar, de seu preservado passado dos tempos coloniais e de Brasil Império a sua excelente gastronomia, o pequenino município se reinventa e inaugura uma nova faceta: desde setembro, oferece aos turistas memoráveis passeios pela sua zona rural.
Por ela espalham-se dezenas de pequenos produtores, onde o “tiquim” de prosa e a degustação das delícias artesanais feitas na terra são obrigatórias. Os circuitos de puro sabor e absoluta poesia merecem ser sorvidos com calma, enquanto a gente conhece a história de vida de pessoas simples que diariamente ajudam a desenhar o País ao mesmo tempo em que observa bucólicos cenários campestres.
No momento, Tiradentes oferece dois roteiros em fazendas rurais da região de Campo das Vertentes: a Rota dos Queijos Artesanais e a Rota do Sabor, ambos comercializados pela Uai Trip, uma das agências de turismo locais. Os tours têm duração mínima de 50 minutos, dependendo do número de propriedades que se visite. O primeiro pode ser feito em van, enquanto o segundo também pode ser percorrido de bike. Ambos são acompanhados por guia.
Lançada na última Abav, em São Paulo, a Rota dos Queijos Artesanais merece destaque. Embora recém-nascida, conquistou, em dezembro, a medalha de prata do Prêmio Nacional do Turismo 2018, sendo uma das 208 propostas selecionadas pelo Ministério de Turismo, criador da iniciativa que visa valorizar e disseminar práticas inovadoras de profissionais e instituições das áreas pública, privada e do terceiro setor que contribuam para o desenvolvimento do turismo no País.
“Ganhamos na categoria Turismo de Base Comunitária e Produção Associada ao Turismo”, orgulha-se Dalton Cipriani, um dos “pais” do roteiro e proprietário da Uai Trip. O passeio é feito na região de Campo das Vertentes, berço histórico do queijo artesanal de leite cru e por onde se distribuem 35 queijeiros. “Durante o trajeto, oferecemos uma imersão na história e na cultura da produção artesanal de queijos de Minas, um dos mais emblemáticos ícones de nossa gastronomia”, conta o empresário.
As características – O queijo artesanal de Minas é feito com a mão de obra familiar, tem produção em baixa escala e utiliza leite cru (não é permitido o pasteurizado). E, mesmo tendo receitas semelhantes, cada microrregião produtora das Gerais tem a sua identidade própria, o que confere aos queijos características únicas de origem – a principal diferença está no microclima de cada lugar. Também as combinações de solo, a vegetação e o ambiente microbiano garantem particularidades de cada queijo.
Atualmente, Minas possui algo em torno de 27 mil produtores, dos quais mais de 10 mil estão divididos nas microrregiões já certificadas: Araxá, Cerrado, Canastra, Serro e o Triângulo Mineiro e Campo das Vertentes. Esta última compreende os municípios de Barroso, Conceição da Barra de Minas, Coronel Xavier Chaves, Carrancas, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas, Nazareno, Prados, Piedade do Rio Grande, Resende Costa, Ritápolis, Santa Cruz de Minas, São João Del Rei, São Tiago e Tiradentes.
Por enquanto, nem todos os produtores de Campo das Vertentes são visitados. Isso porque alguns ainda estão se adequando aos processos de legalização – para produzir o queijo artesanal, é necessário cumprir rígidas normas estabelecidas por órgãos públicos das áreas de saúde e vigilância sanitária, como os cuidados com o gado, com o controle de parasitas, com a extração e o manuseio do leite, com o armazenamento do produto… Porém, cinco deles já estão aptos a receber turistas.
Em Coronel Xavier Chaves, uma das cidades contempladas pelo roteiro, João Dutra é um deles. O queijeiro é um dos mais antigos e tradicionais produtores da região. Ainda, agora, a sua fazenda preserva o jeito e as técnicas de fazer os queijos artesanais que eram utilizados pelos seus familiares vindos dos Açores (Portugal) no século 17, num ritual que se repete e que é transmitido de pai para filho há oito gerações.
Com uma produção aproximada de 900 queijos por mês, a fazenda fabrica o Catauá. Feito com leite in natura de vacas da raça jersey (antes era com o da raça caracu), o produto de interior macio e cremoso, meia-cura ou maturado, é rico em caseína. Esta proteína, ao lado do pasto que o gado jersey tanto gosta, confere a este tipo de queijo um alto teor de gordura e um sabor rico e único.
O “dedim de proseio”, a hospitalidade mineira e a degustação de um premiadíssimo queijo artesanal também fazem parte da visita à propriedade de Lúcia Resende. A produtora já conquistou o primeiro lugar em vários concursos regionais e estaduais, além de ter arrebatado o bronze na terceira edição do evento francês Mondial du Fromage et des Produits Laitiers (Queijo Global e Produtos Lácteos), em competição realizada em Tours, na França.
Lúcia e sua família fabricam o queijo artesanal Sabores do Sítio, no Sitio da Conquista, na zona rural de Tiradentes. O produto também é feito com o leite cru de vacas da raça jersey. Na pequena propriedade familiar são fabricados em média dez queijos por dia. Eles são comercializados no sítio e em cidades da região, além de na feira de artesanato, realizada aos fins de semana no centro da cidade.
Para produzir o Sabores do Sítio, Lúcia é assistida pela Embrapa e pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), que acompanha todas as etapas de produção, da adubação e alimentação do rebanho até a obtenção de crédito rural, fornecendo ainda orientação sobre adequações das queijarias, currais e anexos, controle sanitário do rebanho, obtenção higiênica do leite, tratamento de água, práticas de fabricação e exigências da legislação vigente.
“Ainda bem que esses órgãos ajudam, porque as dificuldades para produzir são muitas”, diz Lúcia que agora, depois de superar tantos obstáculos e vencer diversos concursos, sonha em melhorar as condições de vida de seu rebanho. “Embora me digam que os animais estão acostumados às intempéries climáticas, não suporto ver as vacas serem castigadas pela chuva. Não vejo a hora de poder construir um galpão para protegê-las”, confidencia.
Enquanto o sonho da microempresária não acontece, aproveite e embarque na nova aventura de aromas, sabores e tradições de Tiradentes. Viver essa experiência, ainda que por pouco tempo, vai te conduzir ao mágico território das propriedades rurais da região, com lembranças para serem guardadas no coração a vida inteira.