Por Fabíola Musarra
Conhecer a cidade mineira de Tiradentes é entrar em um idílico paraíso. Aninhado na Serra de São José, este pequenino município tupiniquim é palco de cenários naturais arrebatadores, cultura, gastronomia e infraestrutura hoteleira de primeira. Pisar sob esse solo significa também viajar em um túnel do tempo e reviver fatos que desenharam importante parte da história brasileira.
Sim, Tiradentes tem muita história a contar. E elas são narradas num idioma típico das Gerais: o “mineirês”, o “jeitim” econômico de o mineiro se expressar falando sempre as palavras pela metade. É nesse gostoso linguajar que o turista é informado que foi em uma fazenda nas cercanias do então povoado fundado em 1702 que nasceu o líder da Inconfidência Mineira Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido pelo nome de Tiradentes.
Em 1718, o arraial, uma terra extremamente rica em ouro e pedras preciosas, foi elevado à condição de vila, passando a se chamar São José em homenagem ao príncipe português. Anos mais tarde, rebatizada, chamou-se São João Del Rei. O atual nome surgiu somente depois da Proclamação da República, numa referência ao mais importante inconfidente do país.
Militar com a patente herdada do pai, o alferes Tiradentes foi preso em 15 de outubro de 1791. Levado ao Rio, na época a capital do Brasil, foi enforcado em 21 de abril de 1792. Seu corpo foi esquartejado e suas partes foram expostas em pontos estratégicos como uma advertência aos inconfidentes e a todos aqueles que ousassem se rebelar contra a Coroa Portuguesa.
Praticamente tudo em Tiradentes remete a esses períodos históricos: a arquitetura barroca totalmente preservada de suas casas, solares, igrejas e outras edificações erguidas pelos escravos nos séculos 18 e 19. Os becos e ruelas por onde os negros eram obrigados a passar, pois não podiam circular pelos caminhos dos brancos. O Chafariz de São José da Botas construído em 1749 que abastecia a população com água e que também foi um dos principais pontos de comercialização de escravos do país.
As ruas feitas de solteironas, pedras assim chamadas pelo fato de não se interligarem umas às outras. Os telhados dos casarões coloniais adornados por eiras, beiras e trigueiras, costume da época para demonstrar as posses financeiras de seus moradores. Na casa decorada com eira vivia uma família de bens. Já a com eira e beira era habitada por ricos, enquanto a com eira, beira e trigueira pertencia aos milionários. As demais não ostentavam nenhum desses elementos. Nelas moravam os pobres, a maioria da população.
Caminhar pelas ruas de Tiradentes significa desvendar esses e muitos outros tesouros, como a Matriz de Santo Antônio, uma das mais intactas e significativas expressões do barroco brasileiro. Construída a partir de 1710 e com fachada projetada por Aleijadinho, é a segunda igreja barroca mais rica em ouro do Brasil – só perde para a de São Francisco, em Salvador (BA).
É ainda testemunhar o cotidiano de alguns dos inconfidentes que se rebelaram contra os altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa. Dos 17 principais inconfidentes, 11 nasceram ou moraram na cidade. Foi no solar de um deles, o padre Carlos Toledo, que em 1788 aconteceu a primeira reunião da Inconfidência.
Deste encontro brotaram os ideais de libertar o Brasil do domínio de Portugal. Após restauração, o casarão do padre inconfidente, agora Museu Toledo, foi aberto à visitação pública. Seu acervo é integrado por objetos, mobiliário e pinturas da época. Destaque para os tetos de seus cômodos, retratados com motivos clássicos.
O padre Toledo tinha dois escravos, a quem tratava com respeito, segundo contam durante a visita guiada ao museu. Mas um olhar mais atento ao quintal da casa revela que a mesma sorte não foi compartilhada pelos negros que ali moraram após o exílio do inconfidente para a África.
Ali ficam antigas senzalas. Escuras, com pouca ventilação e com ainda menos espaço, denunciam as precárias e insalubres condições que os escravos e as suas famílias viveram nos tempos que o solar foi habitado por outros proprietários.
História viva – Tiradentes faz parte do circuito das cidades históricas mineiras, ao lado da vizinha São João Del Rei e de Ouro Preto, Mariana, Sabará e Congonhas, só para citar algumas. Mas, ao contrário de algumas delas, hoje descaracterizadas em função do desenfreado crescimento urbano, Tiradentes preserva todo o esplendor de um município que fez parte do Ciclo do Ouro.
O motivo? A cidade é tombada pelo Iphan desde 1938. Por ser um patrimônio histórico nacional, nenhuma de suas construções coloniais nem mesmo o calçamento das ruas podem ser modificados. Novas propriedades podem ser erguidas, mas sem nunca ultrapassar a altura de dois andares.
E é exatamente em função da altura limitada de suas edificações que é possível andar pelas ruas de Tiradentes e seguir a trilha da história desfrutando dos bucólicos cenários naturais que desfilam diante do olhar e do ar puro exalado pelas charmosas montanhas da serra.
Na trajetória há muito a se vislumbrar: a cadeia pública feminina erguida em 1730 e reconstruída em 1835, e as igrejas de São Francisco de Paula, de Nossa Senhora das Mercês e de São João Evangelista. Todas erguidas nos séculos 18 e 19.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a Capela da Santíssima Trindade também integram esse roteiro de volta ao passado. A primeira data de 1708. Era frequentada pelos escravos vindos da África, tendo sido também construída por eles.
Os negros trabalhavam em sua construção durante a madrugada e conseguiram decorar o interior da igreja com o ouro que traziam escondido nas unhas e cabelos roubado de seus senhores. Exceto pela imagem de Nossa Senhora do Rosário, todas as demais de seu altar são de santos de cor negra.
Já a segunda é de 1810 e foi o palco onde o alferes Tiradentes, devoto da Santíssima Trindade, exigiu que a bandeira da Nova República tivesse o triângulo da Trindade. A Inconfidência fracassou, mas o símbolo foi incorporado posteriormente à bandeira do Estado de Minas.
Nem tudo é passado – Tiradentes respira e transpira história. Mas a cidade não vive só do passado. Glamourosa e aconchegante, oferece uma organizada e diversificada programação de eventos, desde os culturais, gastronômicos e esportivos até os religiosos. Eles acontecem o ano todo, movimentando o turismo local.
Com mais de 200 pousadas e hotéis, essa acolhedora terra de gente simpática e hospitaleira abriga ainda diversas lojas de artesanato; casas que comercializam doces, queijos e outras guloseimas típicas da região; cervejaria onde se pode degustar um geladíssimo chope artesanal e muitos restaurantes e bares.
Muitos desses estabelecimentos ficam ou se espalham ao redor do Largo das Forjas, o coração de Tiradentes, no centro histórico. Foi nesta praça que os negros festejaram o fim da escravidão em 1888. Também é nele que funciona a prefeitura local. Erguido em 1720, o “prédio” é outra das preservadas construções coloniais da cidade.
Repaginada em 1989 pelo paisagista Roberto Burle Marx, a praça abriga ainda a Igreja do Senhor Bom Jesus da Pobreza, de 1771. Também é nela que está uma das sete passagens do calvário percorrido por Jesus antes de sua crucificação – as demais estão no entorno do centro histórico.
Em uma das laterais do Largo das Forjas, charretes fazem a alegria da meninada – há mais de 30 delas por ali. Elas fazem vários passeios pela cidade e podem transportar até quatro passageiros.
Com cerca de sete mil habitantes e exuberantes paisagens, Tiradentes oferece diversas opções de lazer, desde andar pelas suas ruas e curtir música ao vivo em um de seus sofisticados bares até fazer tours pelos cartões-postais da cidade e aos municípios vizinhos
A Estrada Real é uma das agências de viagem locais que disponibiliza diversos roteiros, incluindo os que conduzem às históricas Lavras e São João Del Rei, os de ecoturismo pela Serra de São José e o passeio de Maria Fumaça.
Por sinal, essa é outra atração bem legal de Tiradentes. Inaugurada por Dom Pedro 2º, a locomotiva de 1881 tem saídas regulares nos finais de semana. Seu destino é São João Del Rei, a 12 km de distância. No trajeto de 35 minutos, o simpático e antigo trem passa pelo Rio das Mortes e pelas antigas fazendas da região.
Por falar nisso, Tiradentes, como dizem os que nasceram nas Gerais, é um “trem danado de bão”. Concilia tudo de melhor: a maravilhosa comida mineira, história, cultura, vida noturna animada, um movimentado calendário de eventos para todos os gostos e idades e cenários belíssimas. Enfim, ali o presente e o passado se mesclam, num mix de pura emoção e sensibilidade. É preciso falar mais, uai!
* A jornalista visitou a cidade mineira a convite do Tiradentes Mais, um grupo integrado por 21 empresários dos setores de hotelaria, bares e restaurantes, agência de viagens, artesanato e indústria de móveis, que tem como objetivo divulgar Tiradentes como destino turístico.