Monte Caburaí é aventura muito além da adrenalina

No extremo Norte do País, o monte de 1.465 metros de altura que “mora” no Estado de Roraima, na fronteira entre o Brasil e a Guiana, é um tentador convite para os amantes de emoções fortes.

 

Se você é um daqueles que vive sonhando com a sua próxima aventura radical, uma dica: percorrer uma trilha até o Monte Caburaí. O lugar, quase desconhecido, é um “pedacinho” solo onde poucos mortais tiveram o privilégio de pisar. Situa-se em meio a uma selva nativa que guarda segredos, lendas e desafios. Chegar ao topo do Monte Caburaí exige excelente condicionamento físico. E é bom levar isso a sério, pois o nível de dificuldade é bem alto. Mas, lá do alto, todo o esforço é recompensado pela exuberante paisagem que se debruça diante do olhar.

Com 1.465 metros de altura, o monte é um “habitante” da Serra do Caburaí, no extremo Norte de Roraima, fazendo parte da borda de um imenso planalto com mais de mil metros de altitude, na fronteira Norte do Brasil com a República Cooperativista da Guiana. No lado brasileiro, fica no município de Uiramatuã, dentro do Parque Nacional do Monte Roraima.

 

O imponente Monte Caburai. Foto: Secretaria Estadual de Turismo de Roraima

 

O ponto de partida da aventura é a Raposa Serra do Sol, faixa de terra demarcada situada na fronteira do Nordeste do Estado de Roraima e a Venezuela, onde vivem e convivem indescritíveis paisagens de cerrado (ali denominado lavrado) e diversas tribos indígenas. São estas terras que abrigam a comunidade dos capons, aqui no Brasil conhecidos como ingarikós. Guerreiros natos, esses índios mantêm um forte sentimento de companheirismo. Preservam as suas crenças e são devotos do deus Makunaima (leia-se Monte Roraima, a 80 km de distância).

Lendas locais afirmam que a icônica montanha de mais de dois bilhões de anos e de 2.875 metros de altura, em cujo topo se encontra a tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela, é a moradia desse ancestral guerreiro dos índios de origem karib. Resultado da fusão de maku (mau) e o sufixo aumentativo ima (grande), seu nome significa grande mau.

 

A Reserva Serra do Sol, onde vivem diversas tribos. Foto: Instituto Federal de Roraima

 

Contam os nativos que, quando contrariado, o bravo Makunaima enviava, lá do alto do Monte Roraima, raios, trovões e tempestades, castigando ferozmente as tribos ao aniquilar suas terras e colheitas com os “grandes males” vindos da montanha. Volta e meia, o destemido deus da natureza se transformava em onça para ver o que estava acontecendo em seu reino, que se estendia até o Rio Orinoco, na Venezuela.

Em uma de suas visitas, constatou que seu território estava sendo invadido. Ficou possesso e convocou seus guerreiros. Lutaram, lutaram e venceram a guerra, exterminando todos os intrusos. Ferido e cansado, Makunaima rumou para o Monte Roraima. Lá chegando, adormeceu. E ali permanece dormindo até agora, mas a qualquer momento pode despertar. Se o que encontrar em seu reino não lhe agradar, nós, os humanos, sentiremos toda a força do mal que habita a montanha.

Versão tupiniquim – Essa, porém, não é a única lenda que envolve este mítico personagem. Em Roraima, há uma versão bem mais popular e que teria sido uma das fontes de inspiração para o escritor Mário de Andrade escrever o romance modernista Macunaíma, lançado em 1928. Segundo essa narrativa, o Sol era apaixonado pela Lua. E ela por ele. Mas, eles nunca se encontravam. Quando o Sol ia se pondo, era hora de a Lua despertar. Assim, os dois viveram por milhões e milhões de anos.

Certo dia, o Sol se atrasou um pouco (eclipse) e finalmente o encontro aconteceu. Seus raios dourados refletiram, juntamente com os raios prateados da Lua, em um lago de águas cristalinas da montanha que repousa no meio dos imensos campos de Roraima. Nesse encontro, Macunaíma foi fecundado. Curumim esperto, teve como berço o Monte Roraima. O herói sem caráter protagonista da clássica obra literária brasileira nasceu e cresceu em uma aldeia indígena até ser expulso pela mãe.

 

O Monte Roraima: lar do mais famoso personagem do escritor modernista Mário de Andrade. Foto: André Pessoa

 

 

Preguiçoso desde pequeno, Macunaima gostava dos prazeres carnais e de usar sua inteligência e destreza para enganar os outros e conseguir o que queria. Já adulto e desiludido, Macunaíma, após de incontáveis confusões e peripécias, decidiu subir ao céu. Porém, acabou brigando de novo, dessa vez com a Lua. Finalmente, conseguiu ser transformado na Constelação da Ursa Maior. Hoje, em noites claras, o herói, transformado em estrelas, pode ser visto no céu das capitais do Norte e do Nordeste do Brasil.

 

Indiazinha ingarikó. Foto: Kirilos

 

Lendas à parte, os índios macuxi, outra das tribos que vivem na Serra Raposa do Sol, cultuam o deus Makunaima. A exemplo deles, o espírito é sagrado e venerado por outras comunidades nativas. A tribo dos ingarikós é uma delas. Esses índios atribuem a beleza, a fertilidade do solo e o ar puro que imperam em suas terras às frequentes visitas do destemido deus ao lugar.

Se você pretende visitar essa comunidade (é preciso obter permissão da Funai), assim que nela pisar, vai vislumbrar no horizonte, o imponente paredão do lado brasileiro do Monte Roraima. Habitantes da mata, rodeados por outras comunidades, os ingarikós vivem mais distantes dos povoados, dos garimpos, das fazendas e das vilas e quase não têm contato algum com as pessoas.

 

Aldeia dos ingarikós, na reserva Raposa Serra do Sol. Foto: Andre Amorim

 

Assim, preservam integralmente os seus hábitos, sua cultura, seus costumes e suas crenças, inclusive o padrão alimentar, que é baseado em uma dieta equilibrada. Conjugam quatro variantes linguísticas, que os diferenciam do restante das outras etnias. Tendo como vizinhos 11 tribos, contam com uma população aproximada de mais de 1.500 índios.

 

O artesanato indígena é à base de fibras de buriti, uma espécie de palmeira abundante na região. Sementes  e cipós também são usados na confecção dosobjetos. Foto: Instituto Federal de Roraima

 

Jornada – Para chegar até aldeia dos ingaricós é preciso atravessar o Rio Panari várias vezes. Em algumas partes, o nível das águas é raso, em outras só é possível sobre troncos que cruzam o rio. No caminho da aldeia até o cume do Monte Caburaí, a floresta amazônica se reveza com lavrados e pântanos. Pelas trilhas espalham-se rios, cachoeiras, além de flores e plantas endêmicas e pássaros raros.

Na chegada ao topo, as boas-vindas da nascente do Rio Ailã, que representa o ponto extremo setentrional do Brasil e banha o Estado de Roraima. É uma paisagem vista por pouquíssimas pessoas no mundo.

A trajetória até a montanha demora em média dez dias, com caminhadas de seis horas diárias em terrenos acidentados de grandes desníveis. Durante o dia, forte calor. À noite, temperaturas mais amenas. As possibilidades de chuvas são constantes, independentemente do período do ano. Os longos percursos pela vegetação nativa podem conduzir ao esgotamento físico e mental.

 

O Rio Ailã, o ponto extremo setentrional do Brasil. Foto: Secretaria Estadual de Turismo de Roraima

 

Aqui, uma curiosidade: se você, como tanta gente, aprendeu que o Oiapoque, no Amapá, era o ponto mais extremo do Norte do Brasil, tem de saber que geograficamente essa informação está incorreta. Isso porque, em 1931, a Serra do Caburaí já era apontada como ponto mais extremo do Norte brasileiro nas anotações do Capitão Brás Aguiar, chefe da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites.

Mas foi apenas em 1998, depois de uma expedição conjunta das Forças Armadas, Ibama, Funai, Embrapa, UFRR e outros órgãos federais e estaduais, descobriu-se que o Monte Caburaí fica exatamente 85 km mais ao Norte do País que o Oiapoque. De qualquer maneira, uma simples visualização cartográfica da região evidencia a localização mais setentrional do Monte Caburaí em relação ao Oiapoque.

 

Uma das aldeias indígenas existentes em Roraima.

 

Se você ficou interessado na aventura, saiba que Roraima Adventures faz expedições (sob consulta) ao cume do Monte Caburaí a partir da capital Boa Vista, em Roraima. A expedição da agência de turismo percorre os caminhos feitos em 1930 pelo lendário Marechal Rondon em suas expedições para desbravar o Norte do Brasil e conquistar o Monte Caburaí. Na época, Rondon chegou a afirmar que se tratava do extremo Norte do Brasil. Mesmo assim, aquelas terras permaneceram esquecidas por muito tempo.

A expedição ao Monte Caburaí é uma desafiadora aventura, reservada somente àqueles que estejam abertos aos improvisos, ao inusitado e às dificuldades de acesso. Embora já esteja devidamente marcado pelas coordenadas geográficas, o percurso não dispõe de trilhas abertas, apenas conta com caminhos usados pelos indígenas para caçar. Para obter mais informações, acesse o site roraimaadventures.com.br. Ou, ligue para (95) 3624-9611 ou pelo WhatsApp (95) 99115-1514.

 

Foto do destaque: Google

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