Eleita em 2015 pela Unesco e pela Organização Mundial de Turismo como o céu mais bonito do planeta, a maior região de Portugal abriga bucólicas paisagens, gastronomia de primeira e vinhos que estão entre os melhores do mundo. Então, que tal ir saboreá-los em uma das herdades alentejanas, percorrendo o recém-lançado roteiro que privilegia a bebida favorita de Baco?
Por Fabíola Musarra
Esqueça a agitação frenética de Lisboa e de outras capitais do mundo. Fuja da correria e vá viver um conto de fadas no Alentejo. Conhecer a região é como viajar ao passado e se deparar com uma Europa rural, calma e aconchegante. É aqui, à margem sul do Rio Tejo – que corre vindo da Espanha até Lisboa, e se estende até ao extremo sul do país onde faz fronteira com o Algarve – que se esconde um Portugal idílico, onde o tempo segue seu próprio ritmo. Trata-se de uma zona agrícola portuguesa, que é responsável pela produção de deliciosos pratos e de excelentes vinhos.
O Alentejo é a maior província de Portugal. É tão grande que o governo luso a dividiu em duas: ao Norte, Alto Alentejo, capital Évora. E, ao Sul, Baixo Alentejo, capital Beja. Apesar de ocupar mais de um terço do território do país, o Alentejo, paradoxalmente, concentra apenas um décimo de sua população. Dá para entender porque o silêncio, um luxo nas grandes cidades, é tão marcante naquelas terras.
A maior região de Portugal é também a maior produtora mundial de cortiça. Abraça ainda imensos campos de trigo. Alie-se a isso os cerca de 22 mil hectares de vinhedos e oliveiras, as encantadoras paisagens, as planícies verdinhas, as praias de areias douradas e os exuberantes lagos e rios. Patrimônio histórico, cultural e arquitetônico da humanidade, o Alentejo também é o lar de pitorescos vilarejos, de construções típicas do período romano e de igrejas e castelos medievais. Com sol quase o ano todo, é o endereço perfeito para quem quer fugir do burburinho e do ritmo agitado e das metrópoles.
É também no Alentejo que se produz quase metade do vinho certificado de Portugal, o que faz com que muitos classifiquem a região como uma “nova Toscana” – em uma versão bem mais acessível do que a original italiana. A classificação se justifica pelo clima marcado por verões quentes com noites frias e o solo, formado por cal, argila, areia e magnésio. Essas condições proporcionam a produção de uvas especiais, que dão o sabor, a maciez e a cor viva que distinguem os vinhos alentejanos.
Merecem destaque as castas tradicionais portuguesas Trincadeira e Aragonez. Quanto à degustação, saiba que não é preciso ser um especialista em vinhos para desvendar os segredos do Alentejo. A região, que desde 2014 já recebeu cerca de sete prêmios avaliando-a como a melhor no mundo para o enoturismo, incluindo de jornais como o New York Times e o USA Today, abre as portas para todos os turistas. Do simples apreciador ao connoisseur, há opções de passeios completos, que funcionam como visitas guiadas em um museu.
De carro, a pé ou bicicleta, é possível conhecer as vinícolas e o processo de fabricação da bebida desde a origem. Assim como a língua, os sabores também nos aproximam os brasileiros de seus ancestrais portugueses. Cheia de personalidade, a comida do Alentejo é substanciosa, casando perfeitamente com os encorpados vinhos da região.
Resquícios romanos
Antes de ir provar as cores e os sabores alentejanos, é bom saber que a melhor opção para conhecer o máximo da região é alugar um carro – existe transporte público, mas a conexão entre os horários não coincide e a espera é longa e cansativa. Outra alternativa é embarcar em um tour. As agências de turismo portuguesas oferecem excursões para as principais cidades do Alentejo. Entre elas, as duas capitais da província.
O templo romano dedicado à deusa Diana em Évora. Sobreviveu ao terremoto de 1755.
Beja, por exemplo, foi fundada pelo imperador romano Júlio César. Évora, por sua vez, é conhecida como a Cidade Museu. Ostenta um belíssimo conjunto arquitetônico, incluindo o Templo de Diana, datada possivelmente do primeiro ou do segundo século depois de Cristo. A construção resistiu ao avassalador terremoto que em 1755 deixou Lisboa e grande parte do país luso totalmente destruídas.
O Castelo de Tomar fazia parte do sistema defensivo criado pelos cavaleiros templários para proteger o reino cristão contra os mouros. Foto: Portugal de Norte ao Sul
Se tiver tempo inclua em seu itinerário a mágica Tomar, onde deve visitar o Convento da Ordem de Cristo, de 1320, e o Castelo Templário, onde um antigo mosteiro passou a ser uma espécie de quartel-general dos cavaleiros templários que lutaram contra os mouros na Idade Média. Foram eles que em 1160 ergueram o castelo murado, cujas ruínas ainda agora podem ser vistas. O monumental conjunto arquitetônico é patrimônio da humanidade da Unesco.
Assim como também é o centro histórico de Évora. Com origens na época romana, a cidade conheceu seu apogeu no século XV, quando foi residência dos reis de Portugal. Como charme a mais, guarda casas caiadas de branco, decorações interiores em azulejo, balcões de ferro forjado e arcos de inspiração moura, o que torna a cidade num conjunto urbano representativo de um período histórico (séculos XVI a XVIII), exibindo construções de diferentes estilos, do mudéjaz ao manuelino, do romântico ao rococó.
Com um castelo milenar, Marvão é um aldeia amuralhada alentejana. Fica no topo da Serra do Sapoio, a poucos quilômetros da fronteira espanhola.
Marvão e Elvas são outras cidades do Alentejo que merecem ser conhecidas. Situada em uma colina a mais de 850 metros de altitude e a oeste da espanhola Badajoz, a primeira é um antigo feudo medieval totalmente murado, onde vivem 500 habitantes. Situada na região da Serra de São Mamede, no Distrito de Portalegre, é considerada uma das cinco vilas históricas mais bonitas de Portugal.
O Forte da Graça em Elvas, em formato de estrela. Foto: Visit Portugal
Já Elvas, a “Cidade das Ameixas”, é a maior fortificação abaluartada do mundo, com cerca de 10 km de perímetro e uma área de 300 hectares. Suas estruturas defensivas em forma de estrela são um testemunho da evolução da estratégia militar até ao século XIX. Também foram muito importantes nas lutas com a Espanha pela Independência de Portugal, em meados do séc. XVII.
O Castelo de Elvas. Foto: Associação de Turismo Militar Português
Com estreitas ruas de pedra, Elvas foi dominada pelos mouros até 1226, sendo posteriormente invadida diversas vezes pelos espanhóis. Somente em 1801, com o Tratado de Paz assinado por Portugal e Espanha, é que Elvas passou a ser uma cidade portuguesa. Entre as atrações de Elvas estão o castelo, dois fortes, três fortins e as muralhas. Destaque também para o majestoso Aqueduto da Amoreira, com os seus 8 km e 843 arcos. Construído entre 1498 e 1622, é em seu interior que corre a água que abastece a cidade.
Construído por Francisco de Arruda, o mesmo arquiteto que projetou a Torre de Belém, o a Aqueduto da Amoreira é um dos postais de Elvas. Foto: Visit Portugal
As herdades
Para quem busca viver a experiência na terrinha de forma completa, a melhor opção é se hospedar e provar os sabores produzidos pelas herdades, nome dado às grandes áreas rurais, como quintas e fazendas, a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), organismo que controla a qualidade e protege os vinhos da região, apresenta a Rota dos Vinhos do Alentejo com algumas opções de enoturismo, gastronomia, lazer e entretenimento.
Cada propriedade pode contar com vinhas, nas quais estão as parreiras e também as oliveiras (o azeito português é um dos melhores do mundo), além de vinícolas, onde são produzidos os vinhos. Muitas delas ainda possuem charmosos hotéis, restaurantes, SPAs e áreas dedicadas apenas à degustação e visitas guiadas, além de lojas onde é possível comprar os vinhos e produtos típicos da região.
No Alentejo são cinco herdades com hospedagem (Malhadinha Nova, Sobroso, Casa de Santa Vitória, Monte do Vau, São Lourenço do Barrocal e Grous), além de outras quatro com restaurante (Servas, Ribafreixo Wines, Quinta do Quetzal e Esporão). Conheça melhor cada uma delas:
Herdade da Malhadinha Nova – Localizada a um quilômetro da Auto-Estrada IP2, o pequenino hotel cinco estrelas com piscina panorâmica possui apenas dez quartos. Oferece SPA, banheira de hidromassagem e banho turco. Além da degustação e visita à adega, disponibiliza passeios a cavalo, canoagem e de balão.
A criação de porcos pretos da Herdade Malhadinha Nova.
Os hóspedes podem desfrutar dos tradicionais pratos da região, como bacalhau com azeite orgânico, lombinho de porco preto e galinha do campo. As refeições são servidas no restaurante do hotel, com vista para o campo, ou ao ar livre, junto às videiras. O bar serve vinho de produção própria. Mais detalhes: www.malhadinhanova.pt/pt
Herdade do Sobroso – Localizada no município da Vidigueira, a 9 km do Lago do Alqueva, a propriedade, que tem 1.600 hectares, produz o próprio vinho, tinto em sua maioria. Entre as vinhas dominantes estão Aragonez, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Syrah, Alfrocheiro e Trincadeira.
Já os vinhos brancos provêm essencialmente das castas Antão Vaz, Arinto e Perrum. Na propriedade são oferecidas diferentes modalidades de visitas guiadas e degustações, além de cursos de iniciação. A herdade também oferece aos hóspedes passeios pelas redondezas da propriedade, para que conheçam as paisagens do Alentejo.
É possível ainda explorar a região livremente, de bicicleta, ou fazer um passeio de balão sobre o Lago do Alqueva. Além dos vinhos que produz, a loja da propriedade comercializa compotas, Mel Rosmaninho, azeite extra virgem, infusões e Tisanas, entre outros produtos regionais. Abre diariamente das 9h ás 19h. Informações: www.herdadedosobroso.pt
Casa de Santa Vitória – Focada na produção e comercialização de vinhos alentejanos, foi projetada para receber o visitante com conforto. O local tem sala de exposições, logo acima da adega, e uma sala de provas com posição privilegiada, onde se pode admirar o pôr do sol na planície do Alentejo.
A propriedade conta ainda com o Vila Galé Clube de Campo, hotel da rede com arquitetura e decoração inspiradas na paisagem alentejana. O empreendimento oferece opções para o lazer de casais e famílias com filhos, incluindo piscinas, quadra de tênis e atividades como passeio de jipe, canoa e até mesmo de balão. Detalhes em www.santavitoria.pt
Herdade Monte do Vau – Localizada próxima ao Rio Guadiana e a apenas 30 minutos da fronteira com a Espanha, a propriedade está no centro de um triângulo formado por três cidades históricas portuguesas: Beja, Serpa e Mértola. Ao hospedar-se aqui, o visitante tem a oportunidade de desfrutar do conceito “biochic”, que alia o conforto à sustentabilidade, proporcionando uma simplicidade elegante.
O hóspede tem ainda a possibilidade de fazer um piquenique à beira do lago ou de relaxar junto à lareira da sala de estar, ideal para ler um livro ou conversar. A herdade também produz vinhos e organiza sessões de degustação em uma sala com vista para os vinhedos e o lago. Informações: www.herdadedovau.com/pt/index.html
Herdade dos Grous – É uma propriedade rural isolada, com mais de 687 hectares, com vinhas próprias e florestas de cortiça. Conta também com um moderno bar de vinhos para degustação, além de oferecer ao visitante a chance de conhecer as plantações de oliveiras.
Nos dias de calor, os hóspedes podem passear pelos jardins, onde tem um lago artificial, ou aproveitar a piscina. São oferecidos passeios a cavalo, quadras de tênis, sauna e sessão de massagem relaxante. Mais detalhes: www.herdade-dos-grous.com
Herdade São Lourenço do Barrocal – Localizada aos pés de Monsaraz e próxima ao Lago Alqueva, a propriedade de 780 hectares pertence a uma mesma família há mais de 200 anos. A herdade abriga vinhas centenárias, que dão origem a vinhos de primeira categoria sob marca exclusiva.
No local onde fica a vinícola ainda hoje podem ser vistos os antigos espaços destinados aos artesanatos que sustentavam o cotidiano da comunidade: padaria, laticínios, defumação e salga de carne, ferreiro, carpinteiros e uma sala de aula para a educação das crianças.
As antigas construções comerciais da propriedade estão bem preservadas.
São Lourenço do Barrocal conta com hotel de luxo despretensioso, que dispõe de quartos e casas para a estadia. Cercado por flores silvestres, pomar e horta, o hotel oferece passeios a cavalo e de bicicleta, além de piqueniques e degustação de vinhos. Também dispõe de um SPA, com tratamentos que utilizam apenas produtos naturais. Na mesma linha, o restaurante do empreendimento resgata o conceito farm to table, sempre com alimentos frescos produzidos nas melhores quintas locais. Mais detalhes: barrocal.pt/pt
Herdade das Servas – Pertence a uma das mais antigas famílias produtoras de vinho no Alentejo. Os irmãos Serrano Mira partilham a experiência e a tradição na criação de vinhos típicos da região.
Na propriedade, diariamente são feitas visitações da adega, cave, vinhas e jardins, das 10h às 12h30, e das 14h às 17h30. Já a loja onde podem ser adquiridos os vinhos ali produzidos funciona das 10h às 13h e das 14h às 19h. Mais detalhes: www.herdadedasservas.com/pt/restaurante
O Ribafreixo Wines foi eleito o melhor projeto de enoturismo do Alentejo.
Ribafreixo Wines – Eleito o melhor projeto de enoturismo do Alentejo, o Ribafreixo dispõe de loja de vinhos, área de lazer com vista para as vinhas, sala de provas e restaurante. O atendimento bilíngue e personalizado atrai turistas do mundo todo. Mais detalhes: ribafreixo.com/home
Quinta do Quetzal – Fica na encosta da Vidigueira, perto da mais antiga adega romana de que há registro na Península Ibérica. Devido ao clima da região e das características do solo, rico em xisto, produz uvas diferenciadas, sempre em quantidades limitadas.
Apesar de moderna, a adega preserva antigas tradições e técnicas de produção romanas e alentejanas. É possível agendar uma visita guiada à Quinta e às adegas, com degustação de vinhos. A propriedade abriga ainda galeria de arte, loja e restaurante próprios, onde também são servidos imperdíveis petiscos alentejanos. Informações em quintadoquetzal.com/pt-pt/estate
Vista aérea das vinheiras e da torre na Herdade do Esporão
Herdade do Esporão – Recebe visitantes diariamente, prontos a caminhar pelas vinhas e hortas da propriedade, onde são desenvolvidas técnicas de plantação sustentáveis. Durante o passeio, o guia conta um pouco da história da região e desvenda os segredos da produção de vinhos. Ao final da visita, é possível conhecer a adega e colocar o paladar à prova com três diferentes vinhos e azeites. O passeio também pode ser feito de bicicleta, mediante reserva. Detalhes: www.esporao.com/pt-pt/sobre/herdade-do-esporao
Além dessas, a região possui outras 60 vinícolas abertas à visitação. Caso das Cabeças do Reguengo, Herdade da Rocha, Torre de Palma Wine Hotel, Monte da Comenda Grande, Herdade da Calada e Herdade da Mingorra, só para citar algumas. Para saber mais, acesse o site das rotas dos vinhos: www.vinhosdoalentejo.pt.
Sobre o Alentejo – É a maior região portuguesa, ocupando quase um terço do país, com aproximadamente 22 mil km². Fica no centro-sul do Portugal, a menos de 100 quilômetros da capital, Lisboa. Engloba, integralmente, os distritos de Portalegre, Évora e Beja, compreendendo, ainda, a metade sul de Setúbal e parte do distrito de Santarém.
Sobre a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) – Foi criada em 1989 e é um organismo de direito privado e utilidade pública que certifica, controla e protege os vinhos DOC Alentejo e os vinhos Regional Alentejano. É também responsável pela promoção dos Vinhos do Alentejo, no mercado português e em mercados-alvo internacionais. Sua atividade é financiada pela venda dos selos de garantia que integram os contrarrótulos dos Vinhos do Alentejo.