As festas juninas são comemoradas no Brasil todo, especialmente no Nordeste, onde agitam os moradores e atraem milhares de turistas. Mas, a festança, quase tão popular quanto o Carnaval do País, é muito mais do que cor, alegria e sabores. É um valioso tesouro herdado de diferentes culturas.
Por Fabíola Musarra
Quando junho chega, todo brasileiro já sabe: é hora de comemorar Santo Antônio, São João e São Pedro. Ao longo de todo este mês, o Brasil se transforma. De Norte a Sul do País, as cidades se enfeitam. Nas ruas, igrejas, escolas, clubes ou avenidas, tudo é preparado para festejar os três santos: a fogueira, os fogos e rojões, as bandeirinhas, o pau-de-sebo, o chapéu de palha, o traje de caipira e a quadrilha.
É hora também de comer pipoca, cocada, pé-de-moleque, canjica, paçoca, bolo de fubá e tantos outros pratos típicos da “roça”. Hum… Quanta delícia! Mas o que nem todo mundo sabe é que as festas juninas guardam resquícios de cultos pagãos e que são testemunhas vivas de tradições ancestrais “importadas” de outros países e também dos índios que aqui nasceram.
Abertura do São João no Pelourinho (Salvador, Bahia), com concursos de quadrilhas, shows de Gilberto Gil e Targino Gondin. Foto: Mateus Pereira/Secom/Wikimedia
Os festejos pipocam aqui, acolá, do Oiapoque ao Chauí, ganhando um colorido único em todos os quatro cantos do Brasil. Cada um de nossos vilarejos, de nossas cidadezinhas e até mesmo de nossas metrópoles se enfeita, recriando, à sua maneira, a festa dedicada aos três santos. Graças às escolas de todo o País, essa tradição tem se mantido, fazendo com que nessa época do ano o Brasil rural contagie toda a nação, transformando-a num imenso arraial.
As festas de junho ainda hoje preservam o simbolismo dos folguedos anteriores à Era Cristã. Foto: Adriano Magalhães/Comus PMB
Misto de quermesse com direito à quadrilha e matrimônio, as festas juninas são um dos pontos altos do calendário nacional de festas populares. De uma só vez e de modo único, a cultura popular recria, à sua maneira, o casamento e a festa dos três santos. Nessas ocasiões, o caipira veste o seu melhor paletó e a sua botina, aquela que permanece guardada no armário para ser usada apenas em ocasiões especiais.
Nas grandes cidades brasileiros, o homem urbano coloca trajes semelhantes, imitando os costumes de quem mora no interior do País. Afinal, é dia de música, de shows, de arrasta-pé, de dança, de queima de fogos de artifício e de mesa bem farta. Enfim, hora de unir todos os ingredientes para assegurar que a festa não acabe antes do amanhecer.
Folias e estrepolias à parte, o fato é que os historiadores, folcloristas e pesquisadores afirmam que as festas juninas, embora tenham ajudado a criar a imagem falsa e estereotipada do homem do campo – a de alguém que fala errado, tem dentes sujos, veste-se com chapéu-de-palha desfiado e calça cheia de remendos e pula-brejo –, elas também preservam o simbolismo dos folguedos anteriores à Era Cristã.
Os celtas, bretões, sardenhos, bascos, persas, egípcios, sírios e sumérios são alguns dos povos pagãos que realizavam rituais de fertilidade, com o intuito de obter o crescimento da plantação e a fartura das colheitas.
As festas juninas são, de fato, as guardiãs de uma tradição secular pagã praticada na Idade Média: a de dançar ao redor do fogo. Difundidas há mais de dois mil anos, as comemorações pagãs incluíam ainda muitas comidas tradicionais da Europa e da África. Originalmente, o ponto alto desses festejos ao ar livre das antigas comunidades era o solstício de Verão, celebrado em 22 de junho (ou 23), o dia mais longo do ano no Hemisfério Norte.
As comunidades pagãs também comemoravam dois eventos marcantes nessa época: a chegada do Verão e os preparativos para a colheita. Nos rituais, celebrava-se a fertilidade da terra. Ao pé da fogueira, faziam-se oferendas, pedindo aos deuses para espantar os maus espíritos e trazer prosperidade à aldeia.
Fé, símbolos e rituais – No Brasil, as festas juninas datam de 1583. Chegaram pelas mãos dos espanhóis e dos portugueses e tinham como objetivo comemorar a safra do período. Na época, a Igreja Católica viu a oportunidade de conciliar o antigo costume de festejar as colheitas com a homenagem a três santos (Antônio, João e Pedro), e manteve nas “novas” festas religiosas alguns dos antigos símbolos e rituais, acrescentando outros que correspondem à cultura católica.
Atualmente, a celebração da fertilidade é representada pelo casamento e pelo banquete que o segue. E as antigas crenças e oferendas pagãs deram lugar às simpatias, adivinhações e pedidos de graças que se fazem aos santos. O próprio balão leva as promessas a São João para se conseguir saúde ou dinheiro para quem ficou em terra. Porém, o santo mais requisitado mesmo é Santo Antônio, que, segundo conta a lenda, ganhou a fama de casamenteiro ao levar três irmãs solteironas ao altar.
As festas juninas são também resultado das contribuições culturais de outros povos à cultura brasileira, a começar pelo seu nome, uma corrupitela do “joanina”, como são conhecidos os festejos em Portugal. Quer mais exemplos? Veja as datas em que aqui são comemorados Santo Antônio (dia 13 de junho), São João Batista (dia 24), o primo de Jesus responsável por seu batismo, e São Pedro (dia 29), todas elas “importadas” de Portugal.
Desde o século 13, a festa de São João portuguesa incluiu os dois outros santos: Santo Antônio e São Pedro, a “pedra” em que se fundou a Igreja de Cristo e o primeiro papa da religião católica. Tanto o costume de acender a fogueira como o ato de se pendurar bandeirinhas são outras tradições bem antigas.
Muitos dizem que o primeiro ritual começou quando Santa Isabel acendeu a fogueira para avisar Maria que o seu filho, São João Batista, iria nascer e que precisava de ajuda no parto. Posteriormente, a santa hasteou uma bandeirinha em frente de sua casa anunciando o nascimento do seu rebento.
Outra importante expressão das festas juninas – a quadrilha – nasceu inspirada em uma tradição francesa: a “quadrille”, a dança feita por dois casais nos salões dos palácios franceses no século XVIII. A “quadrille” tornou-se popular e, rapidamente, começou a ser praticada nos bailes rurais da França. Nesses bailes, os casais se cumprimentavam e trocavam de pares.
Embora tenha nascido nos palácios da França no século XVIII, sendo muito popular na era napoleônica, a dança da “quadrille” também foi registrada na Inglaterra em 1815 (“Country Dance”, em português contradança) e em Berlim em 1820.
Essa tradição francesa desembarcou aqui, no Brasil, em 1808, trazida pela família real portuguesa. Até hoje, os autênticos “caipiras” ou os ”caipiras” urbanos que dançam a quadrilha obedecem ordens com palavras francesas que foram aportuguesadas: “promenade” (passeio), “changê (trocar), “anavam” (em frente) e “anarriê” (para trás).
Também os nossos índios deram um sabor especial às festas juninas brasileiras: todas aquelas guloseimas feitas à base de milho – espigas cozidas, pamonha, canjica e bolo de fubá –, mandioca e coco fazem parte da culinária tipicamente indígena tupiniquim. Depois de tanta tradição, é hora de correr para assistir o casório.
Como sempre acontece nas quadrilhas: o noivo tenta fugir, mas, intimidado pelo revólver do pai da noiva, aceita a moça como legítima esposa. Dito o “sim”, com a bênção do padre, o pai da noiva coloca de volta o revólver no cinturão.
Campina Grande (Paraíba) disputa o título de fazer o “Maior São João do Mundo” com Caruaru (agreste de Pernambuco). Em ambas cidades, o show piromusical é uma atração à parte.
A quadrilha chega ao fim. Enquanto os noivos, agora casados, namoram, e os pais da moça suspiram aliviados, o povo se dispersa e vai se distrair com outras atrações do arraial. Afinal, ainda estamos em junho, um mês todinho de festas no “interior”, nas quais o que não faltam são muitas “fagulhas, pontas de agulhas/brilham estrelas/de São João”, como anunciam os versos de Morais Moreira.
Junho chegou. Hora de unir o profano, o religioso e o folclórico e festejar as tradições juninas. Segura coração!!!!