Por Fabíola Musarra
O que o cantor e compositor Michael Jackson e a atriz, modelo e apresentadora de tevê Kim Kardashian têm em comum, além de serem celebridades e terem nascido nos Estados Unidos? Enquanto o polêmico tratamento de vitiligo visivelmente “transformou” a pele negra do rei do pop em branca, Kim, este ano, foi diagnosticada com psoríase. Embora tenham sintomas e tratamentos diferentes, essas duas doenças ainda não têm cura e fazem parte das psicodermatoses, afecções na pele, nas unhas e no couro cabeludo desencadeadas por fatores emocionais e psicológicos.
“Na realidade, o termo psicodermatose é apenas a maneira de expressar as relações entre a pele e os mecanismos psíquicos”, diz a dermatologista Luciana Conrado, mestre em dermatologia pela Faculdade de Medicina da USP. Dentro desse conceito, psicodermatoses são todas as doenças dermatológicas conhecidas que pioram com o estresse emocional. “Além do emocional, também o meio ambiente e a herança genética são fatores que contribuem para o surgimento das doenças”, acrescenta a médica e psicanalista Soraya Hissa de Carvalho, de Belo Horizonte.
Fatores desencadeantes à parte, o fato é que Michael Jackson e Kim Kardashian são apenas alguns dos milhares de pessoas que integram o enorme grupo de vítimas dessas doenças de pele. Embora não existam estatísticas mais precisas, os dermatologistas estimam que 3% da população mundial, mais de 200 milhões de pessoas, é portadora de psicodermatoses. No Brasil, dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia indicam que a cada três pacientes que apresentam um problema de pele, um deles possui problemas emocionais, como depressão, ansiedade e estresse, que explicam o distúrbio.
“As preocupações, os pensamentos e tudo aquilo que se passa na mente se reflete na pele, já que as terminações nervosas informam a ela o que acontece na mente”, explica Luciana. Essa relação ficou mais evidente a partir do desenvolvimento da psiconeuroimunologia, na década de 1970, e da descoberta dos neuropeptídeos, as proteínas responsáveis pela comunicação entre o sistema nervoso central (cérebro) e a periferia (pele). “A pele e o sistema nervoso derivam do ectoderma, a camada mais externa das células embrionárias. Por isso, se a pessoa tiver predisposição genética, qualquer situação de estresse pode desencadear reações como acne, psoríase e vitiligo”, completa Soraya.
Na prática, a teoria é simples: como a pele é o maior órgão do corpo humano, a sua primeira barreira de defesa, e está conectada aos pensamentos, as situações de constante estresse, pressão, tensão ou ansiedade podem causar problemas mais graves, cujos sintomas psicocutâneos incluem coceira (prurido), manchas, ressecamento e descamação. “A coceira, por exemplo, é uma sensação subjetiva e também está relacionada a múltiplos fatores emocionais, psicológicos e neurológicos”, ensina a dermatologista.
As consequências dos sintomas psicocutâneos, porém, vão além da superfície da pele, afetando a vida social da pessoa. Como são visíveis e todos podem vê-los, causam reações imediatas no ambiente e no cotidiano do paciente. Em seu dia a dia, são frequentes as perguntas incômodas das pessoas de seu convívio sobre a sua doença, assim como os constrangimentos por ter de respondêlas – na maioria das vezes, as psicodermatoses são confundidas com falta de higiene, sujeira e com algo contagioso. Tudo isso acaba interferindo na comunicação tátil e na interação corporal e sexual do paciente.
“É comum que essa pessoa tenha a sua autoestima abalada e sinta-se ainda mais insegura, retraindo-se e isolando-se socialmente”, afirma Luciana. Para piorar a situação, essas novas emoções negativas tendem a agravar mais o problema porque criam um círculo vicioso: os pensamentos borbulham na mente e fazem surgir novas lesões na pele. O paciente interage com as lesões, complicando o seu quadro. “Como o curso das psicodermatoses está diretamente relacionado aos fatores emocionais vivenciados por ele, podem ocorrer períodos de melhorias e pioras em seu quadro clínico, dependendo de seu estado emocional”, comenta a dermatologista.
Prevenção e tratamento
Os remédios por via oral ou para uso tópico (loções, cremes e pomadas) são uma medida paliativa para combater as psicodermatoses. Em um primeiro momento, dão alívio imediato e ajudam o paciente a sair do círculo vicioso no qual o isolamento causa tristeza, que gera estresse, que debilita o sistema imunológico e torna o doente ainda mais suscetível às crises. Em longo prazo, porém, as doenças de pele requerem tratamentos mais prolongados e que não se restringem somente a consultas a dermatologistas e ao uso de fármacos, mas incluem também a mudança de hábitos e comportamentos.
“Cabe ao dermatologista descobrir o que está por trás do problema de pele”, afirma Soraya. Na sua opinião, o ideal é que o tratamento seja multidisciplinar e envolva o dermatologista e o psicólogo ou psicanalista. Os dois profissionais trabalharão juntos para solucionar o problema da mente e da pele. “O paciente que detecta que a sua doença de pele é consequência de um problema emocional, ou que este contribui para o desenvolvimento da doença, terá mais dificuldade se não aceitar um tratamento psicoterapêutico”, diz a médica.
Embora as duas especialistas sejam unânimes quanto à importância de o tratamento das psicodermatoses não ser feito só à base de medicamentos, muitas pessoas são refratárias às terapias, recusando-se a participar de sessões individuais ou de grupos. Para essas, as alternativas de tratamento são o relaxamento, a massagem, os exercícios físicos e a acupuntura. “Se o paciente se sente confortável para se submeter a um atendimento psicológico, ótimo. Caso contrário, poderá lançar mão de outras técnicas para melhorar ou controlar o estresse, como praticar ioga, meditação e fazer exercícios físicos”, aconselha Luciana.
Adotar hábitos mais saudáveis e encarar de modo positivo a vida e a s dificuldades do dia a dia são, de fato, fórmulas bastante eficazes para se tornar imune a essas doenças e também para espaçar as crises daqueles que já são vítimas delas. Soraya, porém, considera essas iniciativas insuficientes. Quando a saúde mental está debilitada, ocorrem manifestações no corpo, portanto o tratamento das psicodermatoses somente será eficiente se houver acompanhamento psicológico, que trata a causa e não apenas alivia os sintomas. “As sessões vão ajudar a pessoa a compreender as suas emoções e a se conhecer melhor, aprendendo a conviver e a aceitar as suas limitações. Mas o tratamento sempre será em conjunto com o dermatologista”, ressalta a especialista.
Dicas para as emoções da pele
● Opte por uma dieta saudável, baseada em frutas, vegetais e fibras.
● Faça alongamentos, respire fundo e descontraia os músculos, relaxando o corpo.
● Pratique meditação.
● Exercite-se regularmente.
● Durma de seis a oito horas por noite.
As mais comuns As psicodermatoses se dividem em três grupos: distúrbios psicofisiológicos, distúrbios psiquiátricos secundários e distúrbios psiquiátricos primários. Os distúrbios psicofisiológicos são as alterações não relacionadas diretamente com a mente, mas cuja intensidade é fortemente influenciada por fatores psicológicos, principalmente tensão e ansiedade. Integram esse grupo a rosácea (caracterizada pela vermelhidão na face acompanhada de lesões), o vitiligo (manchas brancas provocadas pela ausência de pigmento da pele) e a psoríase (placas de cor avermelhada, descamativas e de evolução crônica, geradoras de coceira). Também se enquadram no grupo a dermatite seborreica (mais conhecida por seborreia ou caspa, infecção crônica que se manifesta em locais do corpo nos quais existe maior produção de óleo ou a presença de um fungo), a dermatite atópica (manifestação alérgica, geralmente nas dobras dos cotovelos e joelhos), a alopécia areata (queda excessiva de cabelos ou pelos) e a urticária (coceira que causa caroços). Os distúrbios psiquiátricos secundários são estados psicológicos motivados pela mudança estética produzida pela dermatose. É o que acontece principalmente no vitiligo e em todas as doenças que implicam desfiguração visível. Já os distúrbios psiquiátricos primários são estados psicológicos que resultam em manifestações cutâneas autoinfligidas. Integram o grupo: a dermatite artefata (coceira da pele que provoca ferimento e induz o paciente a achar que as feridas são sintomas de doença), a ilusão de parasitose (crença de que há um minúsculo bicho percorrendo o corpo do paciente o tempo todo), a tricotilomania (compulsão em arrancar os cabelos ou pelos) e a acne escoriada (compulsão por espremer espinhas e cravos, causando feridas). |
Fafa, dei uma espiada no seu blog, só espiei, pois continuo sem internet em casa, gostei do que vi, você escreve muito bem. beijos Edmundo
Obrigada, Di.
Como jornalista de tantos anos que você é, sua opinião é muito importante para mim.
Gostei de te reencontrar.