PODER, SEXO E VINGANÇA

Intrigas, ciúmes e traição sempre fizeram parte dos bastidores da política, gerando muitas vezes até a renúncia do governante. Mas por trás de um bom escândalo quase sempre se encontram o sexo e o poder. Eles andam de mãos dadas desde o início das civilizações

Por Fabíola Musarra

Você já traiu? Certamente vai jurar por Deus (ou pelo diabo) que não, mesmo que sua resposta não seja verdadeira. Mentindo ou não, tenha a certeza de que a infidelidade faz parte do dia a dia de muita gente. Muitos reis, rainhas, imperadores, presidentes, governadores, deputados e políticos trocaram seus leitos oficiais por momentos de prazer em ninhos alheios. Afinal, pular a cerca é esporte que faz parte da história da humanidade desde que o mundo é mundo, mas este é um assunto para daqui a pouco.

Por enquanto, examinemos os dados de uma pesquisa feita por uma universidade pública que revelou que a maioria dos homens e das mulheres já havia traído. Detalhe: na primeira etapa do estudo, 80% dos homens dizia já ter dado uma escapadinha, enquanto apenas uma minoria de mulheres (menos de 10%) admitia ter sido infiel. Na segunda fase, os pesquisadores refizeram as mesmas perguntas, desta vez contando aos entrevistados que eles seriam submetidos a um detector de mentiras. O resultado foi surpreendente, pois até então acreditava-se que o sexo frágil não praticava o adultério.

Apesar de o resultado desta e de outras pesquisas revelar o alto índice de infidelidade conjugal, o assunto ainda é um verdadeiro tabu. Se num bate-papo entre amigos, alguém contar que traiu ou que foi traído, a conversa imediatamente muda de tom, a alegria vai embora e o clima fica extremamente carregado.

Deixando a hipocrisia social de lado, o fato é que apenas um em cada quatro brasileiros casados espera fidelidade do parceiro. Isso significa que 75% das pessoas comprometidas acreditam que, mais cedo ou mais tarde, podem ter de encarar a traição. Os dados fazem parte de um estudo sobre o comportamento sexual do brasileiro, realizado em 2000. Na oportunidade, uma equipe do Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP entrevistou mais de mil pessoas casadas (ou com parceiro fixo) no Brasil.

Os casos extraconjugais não fazem parte só do futuro dos casais, muitas traições do passado deram muito que falar. Quem não lembra da conversa telefônica entre Charles, príncipe de Gales, e Camilla Parker-Bowles, quando o herdeiro do trono da Inglaterra ainda era casado com a princesa Diane e a amante, com Andrew Parker-Bowles, um oficial do exército inglês? O relacionamento descoberto e divulgado por um tabloide inglês rendeu meses de manchetes no mundo todo.

Mas não é de hoje que sexo e política estão intimamente relacionados. Na Antiguidade as coisas não eram muito diferentes e eram incontáveis os escândalos envolvendo o sexo e o poder. Ainda na Inglaterra, durante a dinastia dos Tudor, não foi o rei Henrique 8º que, ao ver negado o pedido a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão pelo papa Clemente 7º, se separou da Igreja Católica, criando a Igreja Anglicana, tudo para casar, em 1535, com a amante Ana Bolena, a qual acusaria de traição e condenaria a morte posteriormente?

Na Roma antiga nem mesmo o rigor da lei e do Senado conseguiam deter os casos amorosos de seus imperadores e senadores. Imaginem que certa vez, Marco Túlio Cícero, um dos maiores oradores romanos e que se tornou cônsul entre os anos de 64-63 a.C., havia lançado uma proposta polêmica, esquentando os ânimos do Senado romano: queria condenar a morte todos aqueles que aderissem à conspiração de Lúcio Sergio Catilina, um patrício falido que planejava atacar as instituições romanas. Para tanto, conquistava adeptos para sua luta entre o lumpesinato urbano, gente que sequer tinha onde cair morta e que nada tinha a perder ao se envolver numa aventura revolucionária. Se insurgidos, provocariam um turbilhão de sangue. Ainda assim, o “conselho do mundo”, como Cícero gostava de designar o Senado, protelava em aplicar leis contra Catilina, deixando-o não só vivo como ainda fazendo pouco caso de tudo.

No Senado, César se opôs à proposta de Cícero, argumentando que fosse concedido a Catilina o direito da provocatio ad populum (de submetê-lo ao julgamento do povo). Alguns, como Catão, enxergaram nessa atitude do imperador um ato para manter a situação de desordem que imperava na República romana. Enquanto defendia sua opinião diante de ouvidos atentos dos senadores, César recebeu um bilhete que escondeu em sua toga, sem ler. Catão, porém, percebeu o que estava acontecendo e gritou que o imperador estava sendo instruído na assembléia. Para dissipar qualquer dúvida, César entregou o bilhete lacrado. Tratava-se de uma mensagem amorosa de Servília, mulher casada, amante de César e irmã de Catão.

Também a segunda esposa de César e filha de Pompeo Magno, Pompea, foi envolvida num escândalo que lhe custou o divórcio. Públio Cláudio, notável por seus costumes depravados (era voz corrente que ele havia praticado sexo com suas quatro irmãs), desejava profundamente Pompea, mas não conseguia encontrá-la. Subornou, então, uma de suas serviçais, pagando-lhe para convencer a esposa do imperador a comparecer a uma cerimônia, da qual apenas mulheres participavam. Vestido de mulher e com o rosto coberto, Públio Cláudio tentou se certificar com a serviçal se Pompea ali se encontrava, porém a serviçal tinha sido convocada a fazer outro serviço.

Outra serviçal, chamada Aura, reparou que aquela “moça” tinha um andar e um jeito muito masculinos. Aproximou-se dela e decidiu lhe perguntar quem era. Ao perceber que não era uma mulher, Aura saiu gritando que havia um homem no local, criando uma confusão geral. Públio Cláudio foi reconhecido, processado, acusado e condenado à morte. Como Públio Cláudio era membro do partido popular (Popularis) e era um tribuno da plebe, César salvou-lhe a pele e não admitiu que ele tivesse tido uma relação amorosa com Pompea, afirmando que o nome de sua mulher não poderia ser maculado e que “nem mesmo a suspeita deveria roçar sua mulher”.  Pouco tempo depois, porém, divorciou-se dela.

Poder e prazer sempre andaram mesmo de mãos dadas. No Brasil, os políticos não são uma exceção. Desde os tempos imperiais, o sexo ronda os governos. Quer exemplos? A “paixão” do príncipe regente, dom Pedro 1º, por uma das figuras mais controvertidas do Primeiro Império, a paulistana dona Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867).

Mesmo casado com a imperatriz Leopoldina, dom Pedro 1º concedeu à amante o título de Marquesa de Santos, embora ela nunca tenha morado nessa cidade paulista. Já na República, vários livros de Adelaide Carraro (1936-1992) denunciam o vaivém de camas e de traições no Poder. Basta ler Eu Mataria o Presidente e Eu e o Governador para entender a quem a escritora tida como maldita está se referindo.

Mais recentemente, em 1990, no Governo de Fernando Collor de Melo, a então ministra da Economia, Fazenda e Planejamento, Zélia Cardoso de Melo, envolveu-se com Bernardo Cabral, na época ministro da Justiça, casado e pai de família. Como o tumultuado romance entre eles não deu certo e o caso veio à tona, Cabral se viu obrigado a pedir demissão do cargo.

Por sua vez, Zélia pediu para o escritor Fernando Sabino escrever sua história, relatando o período em que ela esteve à frente da Pasta, e dando detalhes sobre sua conturbada paixão pelo ministro. Lançado em 1991, o livro Zélia, uma Paixão, abalou Brasília, e colocou um ponto final nas pretensões políticas de Cabral. A ex-ministra do Governo Collor é apenas mais um dos exemplos de pessoas que recorrem à vingança ao se sentirem traídas. Uma reação até natural, conforme comprovam algumas pesquisas veiculadas na internet. Segundo esses estudos, quem que já traiu pode esperar, pois é só uma questão de tempo: mais cedo ou mais tarde, vai receber o troco. Assim, o velho ditado “quem ama, perdoa” não funciona 100% para os infiéis. Para eles, o lema é quem é traído, se vinga. Por isso, antes de dar uma escapadinha, cuidado para não se ferir na cerca!

No reino do Tio Sam

As traições fazem parte dos grandes impérios, quer elas tenham existido na Antiguidade, quer envolvam os poderosos que dão as cartas no mundo de hoje. Caso dos Estados Unidos, cuja história é marcada por sexo, poder e escândalos. Refresque a memória com alguns dos mais recentes:

Eliot Spitzer – No dia 12 de março de 2008, o então governador de Nova York, conhecido pelo apelido de “Eliot Ness” por sua cruzada contra o crime, anunciou a sua renúncia ao cargo após a revelação de que ele era cliente de uma rede de prostituição de luxo. O seu sucessor, David Paterson, poucos dias depois, admitiu ter traído a mulher e ter sido traído por ela. Neste caso, ele não renunciou, mesmo tendo admitido ser adúltero e assumir ter consumido maconha e cocaína na juventude.

Larry Craig – O senador republicano pelo Estado de Idaho há três mandatos anunciou sua renúncia em setembro de 2007 por conta das acusações de que teria assediado um policial à paisana no banheiro de um aeroporto dos Estados Unidos. Desde que o caso ganhou destaque na imprensa dos EUA, o senador perdeu o apoio da população e do próprio partido, no qual muitos defendiam sua renúncia.

O policial que prendeu o senador sob acusação de “conduta lasciva” no banheiro do aeroporto acusou o político republicano de mentir durante o interrogatório. O senador admitiu ter encostado no policial por baixo da divisa da cabine do banheiro, mas alegou ter sido um acidente. Oficialmente, Craig admitiu culpa no caso, mas revelou que só o fez para evitar um processo, e que se arrependia.

David Ritter – O senador republicano confessou ter sido cliente de um serviço de acompanhantes em Washington, coordenados por uma mulher conhecida como D. C. Madam. Ele pediu desculpas pelo que afirmou ser um pecado muito sério de seu passado.

Mark Foley – O deputado republicano anunciou sua renúncia em setembro de 2006, após 12 anos no Congresso dos EUA, por conta das acusações de que enviou e-mails de conteúdo sexual para menores de idade. Foley presidia na Câmara dos Representantes um grupo que defende menores desaparecidos ou explorados. A decisão dele foi tomada após a emissora ABC News afirmar que o congressista tinha enviado, para menores, mensagens eletrônicas de conteúdo sexual. Pouco tempo depois, um ex-estagiário da Câmara revelou ter mantido relações sexuais com Foley.

Randy “Duke” Cunningham – O então deputado republicano pela Califórnia foi encontrado acompanhado por prostitutas em um hotel de luxo no Havaí, conforme divulgou a rede de TV ABC. O deputado foi acusado de receber propina, já que as mulheres e o hotel eram pagos por um empreiteiro norte-americano. Ele foi preso depois de confessar culpa por corrupção.

Jim McGreevey – O democrata foi o governador de Nova Jersey, administrando o Estado de janeiro de 2002 a novembro de 2004, quando foi afastado após admitir que havia mantido uma relação extraconjugal com um funcionário do sexo masculino. Após a revelação pública de sua homossexualidade, em agosto de 2004, McGreevey tornou-se o primeiro gay assumido a governar um Estado norte-americano.

Bill Clinton – Em 1998, o então presidente democrata chegou a passar por um processo de impeachment, no qual conseguiu manter seu mandato depois de mentir sobre suas relações com a ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky. A princípio, Clinton negou ter se relacionado com Monica, mas as acusações e evidências de seu envolvimento amoroso com a estudante aumentaram. Ele viu-se obrigado a confessar e enfrentou o julgamento, o que marcou o restante do seu mandato. Na ocasião, a primeira-dama Hillary Clinton perdoou o marido.

Mel Reynolds – Em agosto de 1994, o deputado democrata por Illinois foi indiciado por fazer sexo consensual com uma adolescente de 16 anos, que atuava como voluntária em sua campanha política. Apesar das acusações, ele foi reeleito em novembro daquele mesmo ano. Reynolds negou inicialmente as acusações que, segundo ele, tinham “razões raciais”. Em agosto de 1995, foi condenado por abuso sexual, obstrução da Justiça e pornografia infantil. Renunciou ao cargo em outubro de 1995.

John Kennedy – O presidente dos Estados Unidos teve muitos casos, incluindo o que deu pano para muita manga: o romance com a atriz Marilyn Monroe (quem nunca assistiu a antológica cena da atriz loiríssima cantando Happy Birthday, Mr. President no aniversário de Kenneddy de 1962 (www.youtube.com/watch?v=w3IzpazVl-I)? Na época, porém, ninguém escrevia sobre a vida sexual dos presidentes.

Em caso de adultério

 A sociedade romana era bastante puritana. Tanto que considerava válidos os velhos valores de austeridade da primeira época republicana. Mas também na época de Augusto, mesmo a mentalidade tendo sido em parte modificada, o adultério não era um empreendimento fácil. À parte as sanções previstas na lei, se o adúltero era surpreendido na casa da amante ficava totalmente à mercê do marido dela, o qual podia aplicar punições bastante desagradáveis, como fazê-lo sodomizar com os escravos da casa. O marido traído também podia urinar no amante da esposa e fustigá-lo.

De outro lado, fazer sexo com os escravos não era particularmente excitante visto que estes não podiam se esquivar. Mas tudo mudou com a liberdade, quando os ex-escravos que haviam sido libertos podiam fazer o que bem entendessem e colocavam em prática todas as técnicas de sedução possíveis, tornando o “amor” cheio de emoções. Daí provém o termo libertino, que muitos erroneamente pensam significar “homem de costumes livres”. Lesbia de Catullo (57-37 a.C.) e Cinzia de Tibullo e Properzio eram esse tipo de mulher.

Você sabia?

Bacanais – Na cidade italiana de Pompeia, pinturas nas ruínas de casas de banhos e de prostíbulos denunciam as antigas orgias que eram feitas no Império Romano.

Adultério – A lei romana era muito severa com quem era pego em flagrante.

Traição real – César era amante da irmã de Catão, mas não pensou duas vezes para repudiar a esposa porque ela foi cortejada por outro. E até mesmo o honesto Augusto se divertia…

Messalina – Dizem ter sido uma adúltera promíscua, dada a casos escandalosos. Também comentam que apenas a confiança cega que o imperador Cláudio tinha nela a defendia. Em 48, Messalina arquitetou um plano para assassiná-lo e substituí-lo pelo amante de então, Caio Sílio, contando com o apoio da população romana. Como nunca foi astuta politicamente, não percebeu que Cláudio até era popular com os romanos, pelo menos muito mais do que ela. A conspiração foi desvendada e Messalina, o amante e os outros conspiradores foram presos e condenados à morte. Como imperatriz, ela podia se suicidar, mas não conseguiu fazer isso e foi executada.

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