Com a benção de Nosso Senhor
Por Fabíola Musarra
Conhecido por sua alegria, aguda inteligência e pelo modo calmo de fazer as coisas, o “jeito baiano de ser”, o povo da Baia também é famoso pelo grande número de festas que realiza durante o ano inteiro. Não bastasse a queima de fogos à beira mar no dia 31 de dezembro, o trio elétrico que ferve em Salvador e faz até os gringos duros de gingado entrar na dança no Carnaval, a Bahia, logo no início do ano, abriga outras importantes manisfestações da cultura popular brasileira. Caso da procissão marítima para Bom Jesus dos Navegantes e da Lavagem do Bonfim, todas acontecem nos primeiros dias de janeiro.
Realizada em Salvador (BA) no primeiro dia do ano, a procissão marítima do Bom Jesus dos Navegantes é uma tradição que tem sua origem no século 18. Desde então, todos os anos, a imagem de Jesus, ao lado de padres e representantes da Igreja Católica, em um barco todo ornamentado, cruzam a baía de Todos os Santos, pedindo a proteção de Cristo para o ano que se inicia.
O evento acontece sempre na virada do ano, quando os baianos dão continuidade às comemorações do Ano-Novo. A procissão marítima parte da praia de Boa Viagem. O barco com a imagem de Jesus segue na frente e é acompanhado por centenas de outras embarcações com fiéis, numa das mais bonitas e comoventes manifestações de fé do povo brasileiro.
Deusa dos oceanos – Comemorada em todo o País no dia 2 de fevereiro, a Festa de Iemanjá reúne umbandistas, seguidores do candomblé e uma multidão de turistas do Brasil e do Exterior em torno das praias brasileiras, de onde saem pequeninas embarcações levando perfumes, flores (especialmente rosas brancas), água de cheiro, pentes, escovas de cabelo, espelhos, sabonetes e comidas de “santo” para presentear a rainha do mar.
Quem não pode confeccionar um bonito barquinho para levar os seus agrados para bem distante da areia, pula sete ondas e deposita com delicadeza os mimos no mar. As correntezas da águas do reino onde vive se encarrega de entregá-los para a protetora dos pescadores e daqueles que viajam pelos mares. Afinal, a senhora do mar “conhece” bem a vida e as condições financeiras dos filhos, aceitando até mesmo os presentes mais simples, desde que ofertados com o coração.
No entanto, é impiedosa com aqueles que não vão homenagé-la em seu dia, conforme afirmam as lendas. E as canções também. Em “Maria Vai com as Outras”, de Vinícius de Moraes e Toquinho, os compositores brasileiros descrevem muito bem o que acontece para quem esquece de Iemanjá em seu dia. Em um trecho, a letra da música conta: “Maria era uma boa moça/Pra turma lá do Gantois…/… Maria que não foi pro mar/No dia dois de fevereiro/Maria não brincou na festa de Iemanjá/Não foi levar água de cheiro/Nem flores pra sua orixá/Ai Iemanjá pegou e levou/O moço de Maria para o mar.”
Trazido pelas diferentes integrantes de tribos que foram raptados na África para ser escravos nos tempos de Brasil Colonial, o culto aos orixás – a religião na qual acreditavam os negros – era fortemente proibido por aqui. Para driblar a Igreja Católica e escapar das duras punições impostas por ela e também pelos seus senhores, os escravos começaram a “rezar” para os santos católicos enquanto, na realidade, estavam fazendo oferendas para os seus deuses, os orixás.
Foi dessa maneira que nasceu o sincretismo religioso no País. Daí o orixá feminino Iemanjá ser associado a Nossa Senhora dos Navegantes, a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, a Nossa Senhora das Candeias e até mesmo à Virgem Maria, a mãe de Jesus, dependendo do Estado brasileiro onde a deusa dos oceanos é cultuada e da religião de seus filhos de fé. Daí, também provém a crença de que Iemanjá é a mãe de todos nós, os reles mortais.
Senhora das águas – Ainda no dia 2 de fevereiro, uma das mais bonitas homenagens à Senhora dos Mares acontece na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Realizada desde 1871, quando Nossa Senhora dos Navegantes se tornou a padroeira da cidade, a festa gaúcha tem origem portuguesa e é comemorada com uma grande procissão fluvial pelo Guaíba, o principal rio que banha a capital do Estado.
De acordo com a tradição, a imagem da santa – considerada pelos gaúchos não apenas a protetora dos pescadores, mas também de todos os que viajam pelos mares, rios e lagoas – é conduzida no fim de janeiro para outra igreja, onde permanece até o dia 2 de fevereiro. Nesta data, os fiéis numa enorme procissão levam Nossa Senhora dos Navegantes à sua igreja, onde a imagem ficará até o início do próximo ano, quando o ritual novamente será realizado.
No trajeto entre uma igreja e a outra, os fiéis percorrem cinco quilômetros. O percurso é acompanhado por embarcações no rio Guaíba. A enorme procissão fluvial segue atrás do barco que conduz a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes. Enquanto a santa desliza pelas águas, os fiéis presenteam a sua protetora com flores, fitas e grinalda com pedidos, entregues nas margens do Guaíba. Depois que a procissão acaba, os gaúchos fazem outra festa, desta vez uma de dar água na boca: uma festaná com muita comida típica do Rio Grande do Sul.