A fé na padroeira do Brasil
Por Fabíola Musarra
Todo dia 12 de outubro a história se repete: milhões de pessoas invadem as estreitas ruas de Aparecida do Norte, cidade paulista situada na região do Alto Vale do Paraíba, distante a 160 quilômetros da capital do Estado. São romeiros que chegam de todos os lugares do Brasil. Vêm a pé, a cavalo, de charrete, de carro, de moto, de ônibus. Não importa o sacrifício nem a distância: querem visitar o Santuário Nacional de Aparecida, onde Nossa Senhora da Conceição Aparecida, os aguarda e sempre acolhe. Afinal, é feriado nacional, um dia de devoção e fé que o mundo católico dedica inteiramente à padroeira do Brasil.
Alguns ali chegam aflitos e angustiados, outros pagam promessas. Outros vêm simplesmente agradecer uma graça alcançada. São pessoas humildes que se misturam a intelectuais e políticos. Pobres ou ricos que se encontram na maior festa religiosa brasileira. Em comum, trazem a esperança de dias melhores no coração. Pedem saúde, cura, emprego, paz, união na família e até mesmo um amor correspondido. Muitos cumprem um ritual que começou com os avós e persiste até hoje. Outros vêm pela primeira vez. Ficam impressionados com a beleza e com o tamanho do santuário.
De fato, Aparecida é o maior centro de peregrinação religiosa da América Latina. De antiga rota de tropeiros que viajavam para outros Estados brasileiros, a cidade paulista hoje integra um dos principais circuitos de turismo religioso do País. No feriado de Corpus Christi, por exemplo, são famosos os tapetes coloridos feitos com serragens, fragmentos de vidros, pó de café e outros materiais que os seus habitantes caprichosamente confeccionam nas ruas próximas da Basílica Velha.
Mas não é à toa que o município paulista recebe um incontável número de peregrinos e é palco de tantas romarias. Toda a sua história começou lá pelos idos de 1717, quando políticos da então Vila de Guaratinguetá souberam que o conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida e Portugal, governador das províncias de São Paulo e Minas Gerais, iria passar por lá, de onde seguiria para Vila Rica, atual Ouro Preto (MG). Convocados pela Câmara de Guaratinguetá, os pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves saíram para pescar no rio Paraíba.
Desceram o rio, jogaram a rede. Tentaram, tentaram e nada de peixe. Já estavam em Porto Itaguaçu, quando João Alves lançou a rede nas águas e apanhou o corpo de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição sem a cabeça. Voltou a jogar a rede. Desta vez, fisgou a cabeça da Virgem. Em seguida, os peixes apareceram… E os três pescadores voltaram para a cidade com o cesto de pescaria repleto deles. Depois desse episódio, a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida peregrinou por muito tempo pelas casas de várias famílias da região.
Em 1723, Filipe Pedroso foi morar em Ponte Alta (Porto de Itaguaçu). Na bagagem levou a imagem da Virgem. Lá chegando, construiu um altar para abrigar a santa que havia “aparecido” em sua rede. Foi a partir desse episódio que os devotos começaram a chamá-la de Nossa Senhora Aparecida. A imagem ali permaneceu durante 15 anos. No pequeno oratório construído especialmente para ela, os fiéis iam se multiplicando. Acreditavam que Nossa Senhora atendia suas preces, realizando milagres em suas vidas.
A fé nos poderes de Nossa Senhora nasceu naquela região interiorana de São Paulo, mas rapidamente se espalhou por todo o País. O pequeno oratório já não comportava mais a tanta gente que ali se amontoava. Em 1734, o vigário de Guaratinguetá mandou construir uma capela no alto do Morro dos Coqueiros. Inaugurada em 26 de julho de 1745, na festa de Santa Ana e São Joaquim, os avós de Jesus, foi a primeira igreja de uma série de muitas outras que seriam erguidas no Brasil dedicadas a Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
A santa permaneceu naquela capela por 237 anos. Ela, porém, rapidamente ficou pequena para a quantidade de devotos que ali compareciam. Assim, em 1834, começou a ser construída uma igreja maior: a atual Basílica Velha. Em 17 de dezembro de 1928, a vila que se formara ao redor da igreja no alto do Morro dos Coqueiros foi elevada a condição de município. Em 1929, por determinação do papa Pio 11, Nossa Senhora da Aparecida foi proclamada Rainha do Brasil e a sua padroeira oficial. Oficialmente, passou a usar a coroa ofertada pela princesa Isabel, em 1884, e o manto azul-marinho.
Como a fé em Nossa Senhora Aparecida nunca deixou de crescer, a antiga Basílica, em pouco tempo, também já não conseguia mais acolher a tantos peregrinos. Foi preciso, então, construir a Basílica Nova. Sua construção começou em 1955 e nem bem estava concluída, quando o papa João Paulo 2°, em visita ao Brasil em 1980, consagrou a Catedral Basílica de Aparecida, seu nome oficial. Quatro anos depois, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) declarou oficialmente a Basílica de Aparecida como o maior santuário mariano do mundo.
Localizada na praça Nossa Senhora Aparecida, no centro da cidade, a Basílica Velha é interligada à Basílica Nova pela Passarela da Fé. Desde 1982, a imponente catedral abriga a imagem de Nossa Senhora. Tanto ela quanto a velha igreja são ponto de encontro obrigatório para os milhões de romeiros que anualmente visitam a cidade, cumprindo um ritual de fé e devoção que há anos já faz parte da cultura, dos valores e da história do povo brasileiro.