Festa do Interior
Por Fabíola Musarra
Quando junho chega, todo brasileiro já sabe: é hora de comemorar Santo Antônio, São João e São Pedro. Ao longo de todo este mês, o Brasil se transforma. De Norte a Sul do País, as cidades se enfeitam. Nas ruas, clubes ou avenidas, tudo é preparado para festejar os três santos: a fogueira, os fogos e rojões, as bandeirinhas, o pau-de-sebo, o chapéu de palha, o traje de caipira e dançar quadrilha. É hora também de comer pipoca, cocada, pé-de-moleque, canjica, paçoca, bolo de fubá e tantos outros pratos típicos da “roça”. Hum… Quanta delícia! Mas o que nem todos sabem é que as festas juninas guardam resquícios dos cultos pagãos e de tradições ancestrais.
Os festejos pipocam aqui, acolá, do Oiapoque ao Chauí, ganhando um colorido único em todos os quatro cantos do Brasil. Cada um de nossos vilarejos, de nossas cidadezinhas e até mesmo de nossas metrópoles se enfeita, recriando, à sua maneira, a festa dedicada aos três santos. Graças às escolas de todo o País, essa tradição tem se mantido, fazendo com que nessa época do ano o Brasil rural contagie toda a nação, transformando-a num imenso arraial. Misto de quermesse com direito à quadrilha e matrimônio, as festas juninas são um dos pontos altos do calendário nacional de festas populares.
De uma só vez, a cultura popular recria, à sua maneira, o casamento e a festa dos três santos. Nessas ocasiões, o caipira veste o seu melhor paletó e a sua botina, aquela que permanece guardada no armário para ser usada apenas em ocasiões especiais. Nas grandes cidades brasileiros, o homem urbano coloca trajes semelhantes, imitando os costumes de quem mora no interior do País. Afinal, é dia de música, dança e mesa farta, tudo de que se precisa para que a festa não acabe antes do amanhecer.
Arrasta-pés e farturas gastronômicas à parte, o fato é que os historiadores, folcloristas e pesquisadores afirmam que as festas juninas deram e ainda dão uma importante contribuição à da cultura popular brasileira: embora tenham ajudado a criar essa imagem falsa e estereotipada do homem do campo – a de alguém que fala errado, tem dentes sujos, veste-se com chapéu-de-palha desfiado e calça cheia de remendos e pula-brejo -, elas preservaram de alguma forma todo o simbolismo dos folguedos anteriores à Era Cristã.
As festas juninas, de fato, são as guardiãs da tradição secular de dançar ao redor do fogo. Originalmente, o ponto alto dos festejos ao ar livre era o solstício de verão, em 22 de junho (ou 23), o dia mais longo do ano no Hemisfério Norte. As tribos pagãs também comemoravam dois eventos marcantes nessa época: a chegada do verão e os preparativos para a colheita. Nos cultos, celebrava-se a fertilidade da terra. Ao pé da fogueira, faziam-se oferendas, pedindo aos deuses para espantar os maus espíritos e trazer prosperidade à aldeia.
Atualmente, a celebração da fertilidade é representada pelo casório e pelo banquete que o segue, e as oferendas deram lugar às simpatias, adivinhações e pedidos de graças que se fazem ao santos. O próprio balão leva as promessas a São João para se conseguir saúde ou dinheiro para quem ficou em terra. Porém, o santo mais requisitado mesmo é Santo Antônio de Pádua, que ganhou fama de casamenteiro, segundo conta a lenda, ao levar três irmãs solteironas ao altar.
As festas juninas são também resultado das contribuições culturais de outros povos à cultura brasileira, a começar pelo seu nome, uma corrupitela do “joanina”, como são conhecidos os festejos em Portugal. Quer mais exemplos? Veja as datas em que aqui são comemorados Santo Antônio de Pádua (dia 13 de junho), São João Batista (dia 24), o primo de Jesus responsável por seu batismo, e São Pedro (dia 29), todas elas “importadas” de Portugal.
Desde o século 13, a festa de São João portuguesa incluiu os dois outros santos: Santo Antônio e São Pedro, a “pedra” em que se fundou a Igreja de Cristo e o primeiro papa do religião católica. A exemplo do costume de acender a fogueira, o ato de se pendurar bandeirinhas é outro hábito bem antigo. Muitos dizem que ele começou quando Isabel acendeu a fogueira e hasteou uma bandeirinha para anunciar o nascimento de seu filho, São João Batista.
Outra importante expressão das festas juninas – a quadrilha – nasceu inspirada em uma tradição francesa: na dança praticada nos bailes rurais da França do século 18. Nesses bailes, os casais se cumprimentavam e trocavam de pares. Essa tradição desembarcou aqui em 1808, trazida pela família real portuguesa. Até hoje, os “caipiras” verdadeiros ou urbanos que dançam a quadrilha obedecem ordens com palavras francesas que foram aportuguesadas: “promenade” (passeio), “changê (trocar), “anavam” (em frente) e “anarriê” (para trás).
Também os nossos índios deram um sabor especial às festas juninas brasileiras: todas aquelas guloseimas feitas à base de milho – espigas cozidas, pamonha, canjica e bolo de fubá -, mandioca e coco fazem parte da culinária tipicamente indígena. Depois de tanta tradição, é hora de ir “ anavam” e correr para assistir o casório. Como sempre acontece nas quadrilhas: o noivo tenta fugir, mas, intimidado pelo revólver do pai da noiva, aceita a moça como legítima esposa. Dito o “sim”, com a bênção do padre, o pai da noiva coloca de volta o revólver no cinturão.
A quadrilha chega ao fim. Enquanto os noivos, agora casados, namoram, e os pais da moça suspiram aliviados, o povo se dispersa e vai se distrair com outras atrações do arraial. Afinal, ainda estamos em junho, um mês todinho de festas do “interior”, nas quias o que não faltam são muitas “fagulhas, pontas de agulhas/brilham estrelas/de São João”, como anunciam os versos de Morais Moreira.