A 1.187 m de altura acima do nível do mar, a província argentina concilia o pulsante charme de sua capital ao alegre ritmo das peñas e a idílicas aventuras pelos Andes.
Por Fabíola Musarra
Situada aos pés da Cordilheira dos Andes, a província de Salta, no noroeste da Argentina, é chamada carinhosamente de “La linda” (a linda) por seus moradores. Não é à toa. Permeada por verdes vales e montanhas consideradas sagradas, a província abriga a belíssima arquitetura colonial da capital homônima, gastronomia de primeira e intensa vida cultural, resultado de um intrigante mix de costumes e tradições formados a partir de suas origens indígenas e de contribuições do colonizador espanhol e de imigrantes italianos e árabes, sobretudo sírios e libaneses.
Parte dessa instigante cultura pode ser testemunhada nas festas populares que acontecem nos vilarejos de Salta o ano todo. Em fevereiro, por exemplo, Cafayate é embalada por um festival folclórico que reúne músicos regionais. Dois meses depois, a capital da província recebe o Abril Cultural Saltenho (festejado em homenagem à fundação da província, em 16 de abril de 1582) e o Concurso das Empanadas (julho).
Mas é em San Antonio de los Cobres, no centro-oeste da província, que no início de agosto acontece uma de suas mais tradicionais manifestações: a Festa Nacional da Pachamama (mãe-terra), uma celebração herdada dos incas e fortemente arraigada nas comunidades indígenas.
Novembro é a vez da Festa da Tradição nos vilarejos de La Candelaria e Campo Quijano. Com desfile de gaúchos (os peões camponeses da região) e carroças, os dois povoados também são palco de corridas de cavalo. Enquanto isso, a cidade de Salta promove um festival de música folclórica.
O calendário cultural de Salta, porém, vai muito além dessas festas – diferentes eventos agitam as pequeninas cidades do interior da Argentina todos os meses, mantendo vivas as tradições desta província que pertenceu ao vice-reino do Peru até 1776, quando a Coroa espanhola criou o vice-reino do Rio da Prata. A independência somente ocorreu em 1816, após uma longa guerra contra os colonizadores espanhóis.
A província de Salta – apesar de toda a sua efervescência cultural – ainda não é muito conhecida pelos brasileiros, mas gradativamente começa a ser descoberta, quer pelas suas cinematográficas paisagens, quer pelos lindos vinhedos e excelentes vinhos que produz – está localizada a leste da Cordilheira dos Andes, no fértil Vale de Lerma.
Na cidade – Capital da província, Salta preserva um rico conjunto arquitetônico colonial, com construções dos séculos 17, 18 e 19. Percorrer suas estreitas ruas, sobretudo as do centro, é explorar esses valiosos tesouros históricos.
A trilha para desvendá-los começa na Plaza 9 de Julio, onde fica a Catedral de Salta. Construída no século 19, a igreja exibe a imagem da Virgem do Milagre, santa a quem os fiéis atribuem a salvação de uma parte da cidade em um terremoto ocorrido em 1642.
Além de casas coloniais do século 18, as proximidades da Praça 9 de Julio abrigam os museus de Arte Contemporânea e o de Arqueologia de Alta Montanha, cujo acervo reúne precioso artesanato dos tempos pré-colombianos e múmias de crianças incas encontradas no Pico Llullaillaco, na fronteira com o Chile.
Também é por ali que fica a antiga sede do poder político: o Cabildo, onde hoje funcionam os museus Histórico do Norte e Colonial e o de Belas Artes.
Edifício colonial mais antigo da cidade, o Cabildo começou a ser erguido em 1780 e hoje exibe a prosperidade que a província viveu nos tempos em que, ainda sob o domínio espanhol, foi uma parada obrigatória para as rotas comerciais entre o porto de Buenos Aires e as minas de ouro e prata da atual Bolívia.
Também deste mesmo período são alguns conventos, mosteiros e igrejas da capital, como o Convento de San Bernardo (século 17 a 18) e a Igreja de San Francisco (século 19), em estilo neoclássico, com muros vermelhos e suntuoso campanário.
Gastronomia e baladas – Salta, contudo, não vive apenas das glórias do passado. Urbana, a metrópole oferece muito agito para quem a visita. A maioria delas está concentrada na Balcarce, rua central que ao longo de toda a sua extensão enfileira pubs, restaurantes e casas noturnas com música ao vivo.
Neles são oferecidas opções gastronômicas para todos os paladares, desde exóticos pratos com temperos e combinações indígenas como o “tamal”, com carne de cabeça de vaca e milho, até as “ashumitas”, uma massa feita com grãos do milho e queijo de cabra, sem esquecer as empanadas saltenhas, semelhantes ao pastel de forno.
À noite, a rua é o ponto de encontro dos boêmios, com as baladas que embalam as danceterias, os pubs e os restaurantes. Em muitos deles é possível assistir apresentações de peñas folclóricas, num espetáculo em que não faltam as danças regionais.
Aos domingos, a Balcarce abriga uma colorida feira de artesanato. Realizada das 10 h às 21 h, reúne centenas de barracas que comercializam artesanato em alpaca, prata “criolla” e cerâmica, entre outros itens.
Se a ideia é fazer compras de produtos típicos, o Mercado Artesanal de Salta é um bom endereço. Fica na Av. San Martín, 2.555 e funciona de segunda a segunda, das 9h às 21 h.
Nas alturas – Mas são nas elevadas altitudes do Vale de Lerma que o turismo de Salta tem seu ponto alto. E é exatamente em um dos trechos menos explorados do país que fica um dos mais bonitos postais da cidade: o Cerro San Bernardo, com seus majestosos 1.454 m de altura.
Para chegar ao pico desse imponente morro e admirar a deslumbrante vista panorâmica lá de cima, é preciso embarcar em um teleférico na Av. San Martín, esquina com a Hipólito Yrigoyen. O teleférico funciona diariamente a partir das 10 h.
Outra inesquecível aventura nas alturas de Salta é o Trem às Nuvens (www.trenalasnubes.com.ar), batizado com esse nome por circular em 21 túneis, 29 pontes e 13 viadutos a mais de quatro mil metros de altitude.
O trem parte da Estação General Belgrano, em Salta, e sobe as encostas dos Andes, pela região de La Puna, um altiplano quase desértico, percorrendo uma distância de 434 km, entre ida e volta.
No trajeto com duração total de pouco mais de 15 horas, a locomotiva atravessa planícies, vales e vertiginosas montanhas andinas, refazendo parte do caminho que os súditos do Império Inca faziam há alguns séculos.
O destino final (e também o momento mais esperado da viagem) é o La Polvorilla, um viaduto debruçado em abismo de mais de 200 m, a 4.200 m de altitude. Com 224 m de comprimento e 63 m de altura, o viaduto em curva foi totalmente construído com vigas de aço trazidas de um navio da Itália.
Na volta há uma parada em San Antonio de Los Cobres. Ali, assim como nas demais estações que o trem passa, ficam pequenos postos onde os moradores comercializam artesanato, roupas e comidas típicos. Meia hora depois, a locomotiva parte em direção a Salta, onde infelizmente o bucólico passeio pelas paisagens andinas chega ao fim.
O Trem às Nuvens funciona de abril a novembro, com saídas quartas, sextas e domingos às 7 h e retorno por volta das 22h15.
Nos arredores – Para conhecer “La linda”, é preciso passar uns dias por lá. Salta oferece diversas opções de hospedagem. O Hotel Sheraton Salta (www.starwoodhotels.com/sheraton/property/overview/index.html?language=pt_BR&propertyID=1701) e o Solar de La Plaza (www.solardelaplaza.com.ar) são só duas delas.
O primeiro fica em um bairro residencial, ao lado do monumento a Miguel de Güemes, herói dos saltenhos. Já o segundo situa-se no centro histórico, a três quarteirões da Catedral.
Salta vai muito além da graciosidade de sua capital, oferece incontáveis atrativos espalhados além dos muros de seus limites geográficos. O trajeto Salta, Cafayate e Cachi é um dos circuitos mais concorridos. Tanto que várias agências de viagens locais disponibilizam pacotes de três, quatro ou mais dias para lá.
Vinhedos, cânions na Quebrada de las Conchas e o Parque Nacional Los Cordones, com seus altos e endêmicos cactos, são algumas das estrelas do roteiro. Porém, os detalhes desta viagem de absoluta magia fazem parte de uma história a ser contada num próximo capítulo.