Verão? Está dentro de nós o ano todo (ao meio-dia em ponto)

O relógio biológico informa quando é melhor dormir, estudar, comer e o momento certo de tomar um determinado remédio. Os ritmos que determinam o nosso dia a dia lembram um pouco o desenrolar das estações do ano

Por Fabíola Musarra

Dormimos pouco, temos menos apetite. Em compensação, o bom humor está impregnado em nossa pele (tanto que ficamos mais dispostos a nos socializar) e nos sentimos plenos de energia. Assim nos sentimos nos meses do verão. Mas toda essa disposição é mérito da luz, que é intensa e prolongada.
Mas também acontece o reverso da medalha. Quando o Sol se encobre (tanto no verão quanto no inverno), nossa atenção é reduzida ao mínimo. Acender as lâmpadas da casa, criando uma iluminação artificial, não produz o mesmo efeito proporcionado pelo astro-rei. Até porque o nosso organismo vive ao ritmo de um relógio biológico interno, antiquíssimo, que é precisamente sincronizado pela alternância de luzes e escuridão. É ele quem pontua nossas mudanças diárias e também as sazonais.

É um erro não entender isso, sustentam Russell Foster e Leon Kreitzman, autores do livro O ritmo da vida (Rhythms of Life, nome do original publicado pela Profile Books, na Grã-Bretanha). O primeiro, chefe do Departamento de Neurociência e Saúde Mental do Imperial College de Londres, é uma autoridade mundial nos estudos sobre o ritmo circadiano (designa o período de aproximadamente um dia sobre o qual se baseia todo o ciclo biológico do corpo humano). O segundo é jornalista científico.

Nos seus 13 capítulos, o livro apresenta recentes pesquisas sobre a cronobiologia e conclui que respeitar o ritmo não é apenas seguir um monte de regras inúteis, mas um verdadeiro elixir para uma longa vida. Sabe-se, por exemplo, que ao meio-dia, quando ocorre o nosso “verão” cotidiano, nossa capacidade de decidir, nossa memória de curto prazo e nossa atenção são altas (por isso, ficamos mais vivos e despertos), o que nos ajuda a ter um melhor empenho nos compromissos assumidos nestas horas.

Também é inútil levantar mais cedo para estudar: entre as 6 horas e as 8 horas, a sonolência está oculta, independentemente de como a noite transcorreu. Entretanto, entre as 18 horas e as 20 horas, nosso desempenho volta a aumentar: nossa temperatura sobe, nossa força muscular encontra-se no nível mais alto da jornada e nossa propensão ao sono é mínima. E isso não apenas para nós. “Desde que surgiu na Terra, a vida foi toda organizada de acordo com a evolução do ciclo solar. Também os organismos diversos podem ter um ritmo muito similar ao humano”, diz Alberto Oliverio, docente de psicobiologia da Universidade La Sapienza de Roma.

Vários experimentos têm provado que, quando um animal é mantido no escuro, conserva o mesmo ritmo de atividade que regula o sono, a vigília e o consumo de refeições. Talvez um ritmo um pouco mais prolongado em comparação com o que acontece na luz, no claro, mas é como se mantivesse um traço, uma recordação digitalizada do ritmo do Sol. “O coração da ritmidade é o gene Per (de period, período), que se encontra no cromossomo X e é identificado na drosófila, o que significa que o mecanismo molecular do nosso relógio foi conservado no decorrer da evolução”, prossegue Oliverio.

As células funcionam com a bateria do tempo, assegurando nossa sincronização com o ambiente externo. Elas aumentam a produção enzimática, o batimento cardíaco, a pressão arterial e a temperatura, assim como a disposição para o sono, o sexo, o repouso e a vontade de fazer negócios. “O verdadeiro relógio é o cérebro, em particular, o núcleo supraquiasmático, um grupo de células que ficam no hipotálamo, um pouco acima da via ótica”, observa Oliverio. Esses pontos se mostram sensíveis aos sinais de luz que são captados e retransmitidos à retina.

O colesterol e os triglicérides sobem quando não se dorme à noite

A nossa dependência desses sinais é tão forte que toda vez que tentamos alterar esse esquema, passando a noite em claro ou modificando o fuso horário, por exemplo, o nosso corpo sofre. Quando dormimos pouco ou pulamos uma refeição, contraímos débitos de energia. Um grupo de pesquisadores da Northwestern University, em Chicago (EUA), descobriu que a interrupção forçada do ritmo pode alterar o metabolismo. Alguns testes feitos com animais que não seguem o ciclo de sono-vigília e não se alimentam regularmente confirmaram uma alta taxa de colesterol, triglicérides e açúcar no sangue deles, revelando ainda o aumento das células lipídicas no fígado e a alteração do nível de insulina, fatores que nos predispõem à obesidade.

Tendo em vista a sua difusão in natura, afirmam Foster e Kreitzman, o ritmo circadiano deve ser forçosamente uma vantagem, já que aumenta a possibilidade de sobrevivência. Graças ao relógio biológico, as funções do organismo se sincronizam com os fatos programados para ocorrer no ambiente em horas sucessivas, uma ajuda que foi fundamental para os nossos antepassados. Não é por acaso que, ainda hoje, frequentemente grande parte dos partos ocorre algumas horas antes do amanhecer. À noite, há poucos predadores: no passado, quando o Sol nascia, a mãe era capaz de escapar em caso de perigo.

À noite, as atividades dos nossos rins podem reduzir a produção de urina, evitando que nos levantemos continuamente, o que é prejudicial ao nosso repouso. Também muitos problemas de saúde ocorrem sempre, com surpreendente precisão estatística, nos mesmos horários. Os ataques de asma, por exemplo, são sempre à noite. O risco de enfarte é mais alto entre as 6 horas e o meio-dia, quando a pressão arterial e a adrenalina atingem o seu pico máximo.

“Se alguns medicamentos específicos fossem tomados na hora certa, poderiam otimizar a eficácia terapêutica.” Essa é a opinião dos cronobiologistas. Se os remédios que combatem a hipertensão são tomados à noite, têm liberação prolongada para ser mais eficazes na parte da manhã, quando a pessoa se levanta.

Outra patologia para a qual a administração de medicamentos na hora correta pode fazer toda a diferença é o câncer. Franz Halberg, da Universidade de Minnesota (Estados Unidos), trabalhou em sua teoria e descobriu que a temperatura do tumor varia durante o dia. Em seu experimento, ele acompanhou um grupo de pacientes para os quais foram administrados os tratamentos quando a temperatura dos tumores estava no máximo e, portanto, estava  mais alta. Halberg constatou que a taxa de sobrevivência desses doentes havia dobrado nos dois anos posteriores.

Muitas terapias, de fato, destroem ou inibem o crescimento de células que se dividem rapidamente, sejam cancerosas, sejam saudáveis. E já que o ciclo de reprodução celular é o mesmo nos dois casos, se o tratamento for “restrito” aos períodos em que a atividade das células saudáveis é mínima, enquanto a das células cancerosas está no máximo, a toxicidade das drogas será reduzida, aumentando-se assim a capacidade de recuperação do paciente.

Tomar medicamentos na hora certa pode fazer a diferença no tratamento do câncer

Em suma, somos animais com regras biológicas inatas. Se não acordarmos com o Sol ou não seguirmos a passagem das estações, provavelmente poderemos ter a sensação de independência e de sermos superiores – mas ignorar esses fatos pode nos custar muito caro.

COMO FUNCIONAMOS

De manhã
Das 6 horas ao meio-dia

Cortisol – Esse hormônio, importantíssimo, aumenta o nível de açúcar no sangue. A sua concentração máxima se verifica entre as 6 horas e as 8 horas.

Testosterona – Nesse período, está em seu ponto máximo, e isso pode influenciar a libido.

Memória de curto prazo – Todas as manhãs atinge o máximo de eficiência.

Capacidade de tomada de decisão – Concentração e capacidade de ação estão no máximo: período ideal para atividades como a caça (na pré-história) e os esportes que exigem precisão.

À tarde
Das 12 horas às 18 horas

Lógica – O cérebro atinge a plena eficiência de racionalização.

Concentração – É decididamente o período em que somos mais produtivos. É também ideal para estudar.

Velocidade metabólica – Nas horas consecutivas ao almoço, registra-se no corpo a mais alta concentração de insulina, assim como também de urina. Ambas são resultado da grande velocidade metabólica.

À noite
Das 18 horas às 24 horas

Atenção – Na hora do crepúsculo, tendemos a ficar mais vigilantes – um legado dos perigos que nossos antepassados viveram.

Força muscular – Está no seu mais alto nível, a fim de preparar o organismo para uma eventual defesa.

Sensibilidade cutânea – Também está aumentada, deixando o corpo pronto para reagir a todos os estímulos.

Amor e sexo – Nessa faixa horária, estamos mais predispostos física e psicologicamente aos relacionamentos sexuais.

De madrugada
Da meia-noite às 6 horas

Melatonina – É o hormônio “da madrugada”: atinge a máxima concentração com a escuridão.

Temperatura – Ela tem alterações durante o decorrer da madrugada, sinal do relaxamento das funções corpóreas.

Sono – Das 4 horas às 6 horas, dormimos o sono mais profundo. É também a hora dos ataques de asma e das crises de úlcera gástrica.

Parto – Os partos naturais são mais frequentes das 4 horas às 6 horas da manhã.

 

 

MELHOR NASCER COM A GRAMA ALTA

Para os animais, os ritmos sazonal e cotidiano são muito importantes: desrespeitá-los pode significar a extinção. Não é por acaso, por exemplo, que os cordeiros nascem na primavera, quando a grama é abundante: o momento em que eles nascem deve coincidir com aquele de maior disponibilidade de alimentos. Já a barata de esgoto e a barata-americana (periplaneta americana), de cor marrom claro, frequentemente vistas nas casas, são muito mais ativas nas primeiras duas ou três horas de escuridão completa, quando habitualmente todo mundo está dormindo.

Por sua vez, as abelhas têm o seu próprio ritmo: “sabem” a hora do dia em que as flores se abrem e saem para procurá-las nesse momento, economizando, assim, a sua preciosa energia. Os mestres nessa área são as aves: a migração delas não depende apenas de sua capacidade para identificar os locais a atingir ou para ajustar a posição do Sol, mas também da capacidade de seguir uma espécie de cronômetro interno, que lhes permite medir a força necessária para enfrentar as longas viagens.

Para saber mais
Rhythms of Life (nome do original publicado pela Profile Books, da Grã- Bretanha), de Russell Foster e Leon Kreitzman, 320 páginas.

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