Velhice não é doença. Hoje, as pessoas da terceira idade namoram, transam, viajam, fazem de tudo. O mercado lhes oferece programas de condicionamento físico, beleza, lazer. Seguindo os padrões do Primeiro Mundo, nossa população envelhece. A cada dia, nossos sessentões são mais ativos
POR FABÍOLA MUSARRA E MAÍRA LIE CHAO – publicado em março de 2009
Você ainda é daqueles que acreditam que quando chegar aos 60 anos vai sair de cena, pendurar a chuteira, terminar os dias sozinho, doente, abandonado num asilo, sem dinheiro e sem perspectivas de dias melhores? Está enganado. Esse tipo de pensamento está mudando. Encarar a velhice como um mal é o mesmo que achar que a criança é um doente. Hoje, as pessoas da terceira (ou da melhor) idade namoram, transam, viajam, passeiam, estudam e trabalham. Fazendo exercícios físicos, tendo boa nutrição e bom relacionamento pessoal, elas têm grande potencial para ser muito ativas socialmente. Assim, o grande objetivo da geriatria e da gerontologia modernas é evitar que o idoso seja excluído da sociedade – por meio da prevenção de doenças -, ou reincluílo nela a partir de adaptações em sua condição de vida. Wilson Jacob Filho, professor titular da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), afirma que o idoso deve realizar uma atividade que lhe seja prazerosa, mas com moderação.
As mulheres da Associação de Voluntárias do Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo, são prova de uma terceira idade ativa e benéfica. Vestidas de cor-de-rosa, com energia e carinho de sobra, elas costuram, fazem artesanato, dão aulas e visitam os pacientes do HC. “Fazemos algo que a família do paciente não pode fazer: conversamos com ele, levamos revistas, verificamos se precisa de algum material de higiene”, conta Maria Belkiss, 66 anos, presidente da entidade. As voluntárias se dizem gratificadas com o trabalho, pois o carinho é retribuído. Maria Rosa Stavale, 58 anos, sente que, mais do que ajudar os pacientes, está se ajudando espiritualmente. Sua mãe, Maria de Lourdes, 82 anos, que agora só fica na sede devido a suas “pernas fraquinhas”, lembra que muitos pacientes, familiares e enfermeiras vêm até hoje visitá-la. A troca de afeto e o bom relacionamento fortalecem essas mulheres no quesito envelhecimento.
Com esse tipo de atitude, não é de se espantar que atualmente as pessoas com mais de 60 anos representem 10,5% da população, segundo informações colhidas em 2007 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais do que números, o envelhecimento da população vem modificando o perfil da sociedade, os hábitos de consumo e do mercado e, num futuro nem tão distante assim, certamente provocará transformações radicais nas políticas públicas da saúde e da previdência social.
O governo, os empresários, o mercado e a sociedade em geral, porém, não perceberam a dimensão e as implicações que envolvem a questão do envelhecimento populacional. Por enquanto, a faixa etária que mais cresce no Brasil é a dos 50 anos. Em pouquíssimo tempo, os potenciais consumidores serão os sessentões. O fenômeno é irreversível, mas as empresas ainda não descobriram esse atrativo filão do mercado. Quer exemplos? Veja os rótulos das embalagens e suas minúsculas letras, impossíveis de serem lidas por quem usa óculos. Nos supermercados, muitos produtos ficam em prateleiras altas, mas poderiam perfeitamente estar dispostos em lugares mais baixos, facilitando a vida daqueles que já passaram da meia-idade.
De fato, o mercado não está mesmo sintonizado com essa nova realidade. Em 2003, uma pesquisa inédita realizada pelo GFK, a quarta maior empresa nacional de pesquisas do País, revelava que os idosos naquela época já movimentavam R$ 90 bilhões por ano, o que os transformava em consumidores em potencial. Juntos, os brasileiros com mais de 60 anos formavam um grupo de 17,7 milhões de consumidores (14,5% da população adulta), um total então maior que a população do Chile, de 16 milhões, sendo a maioria mulheres, com uma renda que somava R$ 7,5 bilhões ao mês. Também eram essas pessoas que tinham (e ainda têm) o poder de decisão de compra na família, pois eram as responsáveis pela manutenção de 25% dos lares do País, o equivalente a 47 milhões de domicílios. Apenas 15% delas não tinham renda alguma.
Essas e outras informações integram o perfil da terceira idade do Panorama da Maturidade, um estudo que demorou dois anos para ser concluído e para o qual foram ouvidos 1,8 mil homens e mulheres com mais de 60 anos nas grandes regiões metropolitanas brasileiras, além de Goiânia e Brasília. Desenvolvido com o objetivo de conhecer as características de comportamento, educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, cultura, lazer, consumo e gastos dessa camada da população, o estudo definiu as características pessoais e de estilo de vida dos idosos, uma parcela social que até então nunca havia sido mapeada no Brasil. “As conclusões envolvendo análise e números ainda agora são um prato cheio de informações para quem deseja planejar estratégias de marketing para esse público e para as atuais gerações de jovens, que brevemente integrarão essa parcela da população”, diz o sociólogo Mário Mattos, diretor de marketing da empresa.
Embora tenha detectado a existência de um mercado potencial de produtos específicos para a terceira idade e a necessidade de readaptar os produtos e serviços existentes para melhor atendê-la, as empresas ainda têm ações muito tímidas direcionadas a esse tipo de consumidor. “Para muitas empresas, isso é algo que só vai acontecer no futuro, mas a verdade é que hoje esse segmento já tem uma renda bem significativa e demandas específicas a serem atendidas”, prossegue Mattos. Ele observa que este é o segmento que percentualmente mais cresce na população e que a tendência é que cresça cada vez mais e com mais renda, já que a atual juventude se planeja mais para o envelhecimento. “As próximas gerações que atingirem a terceira idade provavelmente terão uma situação bem melhor do que a geração atual.”
O estudo do IBGE também já sinaliza a necessidade de mudanças nos sistemas previdenciário e de saúde: em 2000, 30% dos brasileiros tinham de 0 a 14 anos, e os com mais de 65 representavam 5% dos habitantes do País. Em 2007, o número de crianças e adolescentes de até 14 anos de idade caiu para 25,4%, enquanto as pessoas com 60 anos ou mais totalizavam quase 20 milhões da população. Com o significativo crescimento do número de pessoas idosas (portanto, de aposentados) em relação às pessoas em atividade, fica evidente a necessidade de se repensar as políticas públicas.
O técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar), Frederico Melo, explica que dois fatores contribuíram para o envelhecimento populacional: as pessoas estão vivendo mais tempo (aumento da longevidade) e tendo menor número de filhos (queda da taxa de fecundidade). “Até a década de 60, as mulheres tinham cerca de 6 filhos, contra 2,89 nos anos 90 e 2,39 em 2000. Em 2007, essa média foi de 1,95 filho por mulher, e a tendência é de continuar caindo”, prevê. “Se essa projeção se confirmar, não ocorrerá sequer a reposição das gerações. Com menos crianças nascendo, o País já está tendo menos jovens. Paralelamente, há o aumento da proporção de pessoas com mais idade”, analisa Melo.
Em sua opinião, esse envelhecimento da população traz alguns desafios, como o aumento do número de aposentados, que fará com que mais pessoas passem a depender dos recursos do INSS. “Considerando-se as características do mercado de trabalho – alta proporção de ocupação intermitente (normalmente o trabalhador não fica 35 anos em uma mesma empresa) e informal -, pode-se supor que as pessoas que não conseguirem se aposentar passarão a depender dos benefícios da assistência social. Também o sistema de saúde terá de se adequar para atender esse maior contingente de pessoas idosas”, afirma.
Segundo Melo, para manter a população mais idosa, o governo, nos próximos anos, terá de tornar a economia do País mais produtiva e estimular o crescimento econômico, o que implica investir fortemente na educação e na melhor capacitação profissional, formando trabalhadores com melhor nível de escolaridade e mais qualificados. “O problema todo é que o Brasil está vivendo uma situação do Primeiro Mundo (na Europa, o envelhecimento populacional já é uma realidade), sem ter solucionado os problemas básicos dos países em desenvolvimento, como os da educação, saúde, habitação, desigualdade de renda, entre outros.”
“É claro que o governo precisa urgentemente reformar a previdência, mas isso só será possível com a implementação de um projeto macroeconômico de crescimento que traga para o mercado formal 50% de nossa economia, pois hoje metade dela está na informalidade, segundo dados do IBGE”, afirma Roberto Mohamed, advogado especializado em Previdência e fundos de pensão. Enquanto isso não acontece, o especialista acredita que a melhor saída para quem deseja ter uma velhice mais tranquila é a previdência privada. “O envelhecimento da população não constitui problema para o sistema privado, pois ele independe do número de participantes ativos. Cada um contribui para a constituição de sua própria reserva e, ao final do pagamento, passa a receber os dividendos dessa aplicação.”
Ao contrário dos anos 70, quando a falência dos sistemas de previdência privada, os chamados Montepios (Capemi, Delfim e outros), transformou a poupança dos participantes em pó, hoje o sistema de fundos administrados por grandes bancos e seguradoras segue outro modelo, com fiscalização rigorosa e absoluta transparência, no qual o participante pode acompanhar a evolução de seu fundo pela internet. Esse sistema, uma forma de poupança programada de longo prazo, com taxa de administração, é fiscalizado de perto pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. “O risco que se corre nesse sistema é completamente diferente do modelo estatal, pois está sujeito às variações do mercado financeiro e não do envelhecimento da população”, observa o advogado.
Mohamed explica que o chamado capital especulativo que corre o mundo é formado pelos ativos dos grandes fundos de pensão norteamericanos e europeus, prova de que o sistema é sadio, mas que também está sujeito às perdas como as que vêm ocorrendo hoje nas bolsas. Apesar do risco, ele acha que o sistema de previdência privada é a saída para quem busca segurança na velhice. No entanto, quem pretende recorrer a essa alternativa deve tomar alguns cuidados: pesquisar as taxas de administração de vários fundos antes de decidir. “A menor taxa não é necessariamente o melhor negócio. Também uma taxa superior a 10% é perigosa, pois, com rendimentos garantidos de 12% ao ano, fica difícil acreditar no crescimento de um fundo com uma taxa dessas,” exemplifica.
Outra preocupação que se deve ter é quanto ao perfil do fundo. Atualmente, os bancos oferecem as opções de carteiras moderadas, conservadoras e agressivas. “Estas últimas não servem ao propósito de garantir a aposentadoria de alguém”, orienta o profissional, acrescentando que o ideal é não ter apenas um plano de previdência, mas diversificar o pagamento em pelo menos dois bancos, pois se um deles apresentar problemas, o outro ainda garante a renda. “Vale lembrar que, caso ocorra algum problema, é muito mais fácil agir contra fundos de pensão do que contra o INSS”, afirma o especialista.
Também a advogada Luciana Dias Prado, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, é favorável aos planos de previdência privada. Até porque o sistema de previdência pública, que é o INSS, já enfrenta dificuldades há anos por ser um regime financeiro de repartição simples, mas complicado de administrar, no qual as pessoas produtivas pagam para aquelas que se aposentam. Para ela, a tendência é o sistema de aposentadoria do INSS ficar cada vez mais precário porque a população ativa está diminuindo ao mesmo tempo que, com o aumento da expectativa de vida do brasileiro, cresce o número de pessoas que estão recebendo o benefício.
A seu ver, o cenário dos fundos de pensão e dos planos administrados pelas empresas abertas e as seguradoras é mais otimista, porque tem um regime financeiro diferente: cada pessoa contribui, monta uma conta para ela num fundo específico e vai pagando ao longo de seu tempo de contribuição. Ao término, começa a receber o benefício. Como esse regime é de capitalização, a perspectiva é a de que em poucos anos muito mais pessoas migrem para ele, justamente em função da provável falência do sistema público. “Quanto mais cedo o jovem começar a contribuir com uma previdência privada, melhor, pois ela lhe assegurará uma velhice mais serena.”
Como envelhecer Existem três pilares para se ter uma velhice de qualidade. O primeiro é ser fisicamente ativo. Wilson Jacob Filho, professor titular da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, destaca que o músculo de um idoso treinado é tão eficaz quanto um músculo de um jovem sedentário. O principal desafio agora é praticar atividades físicas, já que a criança prefere jogar videogame, o adolescente só se dedica aos estudos e o adulto, a trabalhar (geralmente em escritório). O segundo pilar diz respeito à nutrição. Nela não deve faltar – nem figurar em excesso – proteínas, gorduras e vitaminas. Cada fase da vida possui uma dieta diferente, como a do bebê, que precisa comer papinha. O terceiro pilar, e talvez o mais importante, é o relacionamento – conosco e com o meio. Investir na saúde mental para que a pessoa tenha uma autoestima alta. Quando envelhecemos, precisamos de um suporte na família, no ambiente de trabalho, na roda de amigos. O importante é estabelecer uma união saudável, de forma que o idoso se mostre acolhedor ao jovem e vice-versa. |
PARA SABER MAIS
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/
indicadoresminimos/sinteseindicsociais2008/default.shtm
www.gfkindicator.com