Patagônia chilena – Paraíso de encantamentos

Repleto de rios e lagos turquesas, parques e reservas naturais tingidos pela coloração alaranjada da primavera e vales verdinhos, a região de Aysén, no norte da Patagônia do Chile, abriga ainda glaciares milenares e surpreende por sua exótica beleza selvagem.

Por Fabíola Musarra

Conhecer a região de Aysén, no norte da Patagônia chilena, é uma experiência única – pouquíssimos privilegiados têm a sorte de pisar no mítico solo desse pedaço de terra situado no extremo sul das Américas. Comprimido entre a Cordilheira dos Andes (a leste) e o Pacífico (a oeste), na estreita faixa onde o Chile tem apenas 40 km de largura, esse território de 108 mil km2, também conhecido como Décima Primeira Região do Chile, é possuidor de uma beleza esculpida por inigualáveis (e surpreendentes) contrastes.

Em seu interior convivem montanhas de picos pincelados pela neve, vales verdinhos, rios e lagos com indescritíveis tons de turquesa e esmeralda e glaciares e fiordes milenares, além de 12 reservas naturais e cinco parques nacionais, entre eles o Laguna San Rafael, declarado Reserva da Biosfera pela Unesco em 1979.

 

Patagônia chilena Foto André Pessoa
Cores da Patagônia chilena na Primavera. Foto: André Pessoa

Ao norte, a região de Aysén faz divisa com a região de Los Lagos e, ao sul, com a região de Magalhães e Antártica chilena. É integrada pelas comunas Coyhaique (capital), Aysén, Ibañez, Chile Chico, Cochrane, Guaitecas e Puerto Aguirre, apresentando uma curiosa densidade demográfica: 0,9 habitante por km2, o que significa que é possível andar distâncias inimagináveis sem encontrar um único ser humano, apenas contemplando a natureza em absoluta introspecção.

Baladas e agitação, aliás, não fazem parte desse roteiro – a maioria dos lugares não tem acesso à internet, telefone e televisão. Porém, para quem não se importa com nada disso, este paraíso de beleza praticamente intacta reserva inúmeros tesouros.

Na região  é possível percorrer distâncias inimagináveis sem encontrar um único ser humano, apenas contemplando a natureza em absoluta introspecção. Foto: Andre Pessoa

A principal porta de acesso a eles é Santiago, a capital do Chile. De seu aeroporto partem voos rumo a Balmaceda, um pequeno vilarejo da região de Aysén. A cidadezinha é cortada pela Carretera Austral, a maior e mais importante rodovia do lugar. Ela começa em Puerto Montt e se estende até o ponto mais distante da Patagônia chilena: a Villa O’Higgins.

A estrada foi construída pelo então presidente Augusto Pinochet em 1976, com os objetivos de desenvolver o extremo sul do país, até então praticamente isolado, e de defendê-lo de uma possível invasão da Argentina. Suas terras ricas em minérios foram palco de disputas – e quase de uma guerra em 1979 – entre os dois países.

Trecho da Carretera Austral, a principal estrada da Patagônia chilena. Foto: Jaime Borquez

Percorrer parte ou a totalidade dos 1.240 km de extensão dessa rodovia significa vivenciar a essência dos encantos de Aysén, recolhendo a cada trecho percorrido imagens memoráveis ao olhar.

Diante dele, as paisagens sempre se revezam, ora exibindo rios e lagos de acentuado turquesa, parques e reservas naturais tingidos pela vegetação alaranjada da Primavera e vales repletos de montanhas de picos nevados; ora surpreendendo pela engenhosidade de seus canais, fiordes e glaciares.

Paisagem típica da Patagônia chilena ne estação das flores. Foto Jaime Borquez

On the Road – Seguindo pela Carretera Austral, no sentindo sul, é possível, por exemplo, conhecer a Reserva Cerro Castillo e o Vale Simpson, que abriga o rio de mesmo nome. A primeira corresponde à metade do território de Aysén, com 50 mil km2 de florestas pré-históricas protegidas.

Já o segundo aninha dezenas de pequeninos vales. No outono, eles se vestem de verde e são recobertos por chicórias. Ricas em vitaminas A e C e com mais ferro que o espinafre, essas flores amarelas, conhecidas pelos brasileiros como dentes-de-leão, reforçam o cardápio dos gados e das ovelhas e se estendem pela imensidão do horizonte formando um longo tapete caprichosamente bordado pela natureza.

Chicórias no Vale Simpson. Foto: André Pessoa

É também na direção sul da Carretera Austral que fica o esmeralda Lago Elizalde. Para chegar até ele, porém, é preciso passar pelo Rio Ibañez e pelo Vulcão Hudson. A cada 20 anos, esse vulcão de 1.960 m de altura entra em erupção.

A última delas foi em 2011, mas não chegou nem perto do estrago feito pela de 1991, quando provocou 500 tremores de terra e sua enorme nuvem piroclástica de 1.000ºC invadiu e devastou a região. Após três dias de intensa fúria, o Hudson silenciou, mas deixou como legado um solo coberto com até um metro de cinzas.

Além das opções de hospedagem que se espalham ao seu redor, o Lago Elizalde exibe paisagens e cores únicas. Foto: Jaime Borquez

Ao redor do suntuoso Lago Elizalde espalham-se diferentes tipos de cabanas, uma das principais opções de hospedagem do lugar. De hipnótica beleza, o lago também é bastante concorrido pelos amantes de pesca devido a enorme quantidade de trutas que nele habitam.

Não muito distante do Elizalde, encontra-se uma das mais glamourosas atrações da Patagônia chilena: o Lago General Carrera e a Capela de Mármore (Capilla de Mármol, como é seu nome no país).

O inconfundível e inesquecível turquesa do Lago General Carrera. Foto: Jaime Borquez

Puerto Tranquilo é a porta de entrada aos incontáveis tons de turquesa e esmeralda do Lago General Carrera. Com 978 km2 de superfície, é o maior lago do Chile. Suas águas também são compartilhadas pela Argentina – lá se chama Lago Buenos Aires. Entretanto, a maior parte dele se encontra em terras chilenas. O General Carrera desemboca no Lago Bertrand, onde nasce o cristalino Rio Backer, o mais caudaloso do Chile.

A Capela de Mármore vista à distância. Foto: Jaime Borquez

Pequenas embarcações partem de Puerto Marmol, a cinco quilômetros de Puerto Tranquilo, rumo à Capela de Mármore, um santuário da natureza tecido pela erosão fluvial das águas do Lago General Carrera – ali, a água talhou incríveis formações em mármore, entre as quais a capela e a catedral.

Mármores coloridos “decoram” as gruta e os  túneis do interior da Capela. Foto: Jaime Borquez

Pelas suas gigantescas dimensões de cores e texturas diferenciadas formam-se grutas, cavernas e túneis, através dos quais os barquinhos navegam, possibilitando que seus passageiros observem de perto a magnitude desse patrimônio outorgado à humanidade pela natureza.

O acesso à Capela de Mármore somente é feito bor barco. Foto: Jaime Borquez

“Essa fantástica formação geológica de mármore é muito nova. Tem aproximadamente 380 milhões de anos, enquanto a do mármore de Carrara, na Itália, 800 milhões de anos”, conta o amável Rodrigo Mansilha Hernández, um dos proprietários da Tehuelche Patagônia Tour, agência de viagens que oferece inúmeras opções de passeios turísticos nessa distante (e ainda tão pouco explorada) região do planeta.

Águas vulcânicas – A Fazenda Três Lagos, um moderno hotel banhado pelo Lago General Carrera; Coyhaique e o Parque Nacional Queulat são apenas alguns dos atrativos distribuídos ao longo do sentido norte da Carretera Austral. Como as demais reservas e parques naturais da Patagônia chilena, o Queulat é povoado por águias, condores, guanacos, huemules, pumas e raposas, entre outros animais.

Um dos rios andinos que brindam a Patagôna chilena. Difícil definir: Turquesa? Ou, verde-esmeralda? Foto: André Pessoa

Coyhaique, por sua vez, é a maior cidade de Aysén e também a mais povoada: com pouco mais de 50 mil habitantes, concentra 80% dos moradores da região. Pelas suas ruas centrais é possível tomar um saboroso cafezinho, comprar chocolates, trocar dinheiro… O nome da capital de Aysén foi dado pelo mapudungún, língua dos antigos povos aborígenes chilenos ou mapuches, que designavam o lugar como “coyhaique”, união de “koi” (lagoa) e “áiken” (acampamento).

Pequena em relação às grandes metrópoles, Coyhaique é vibrante e multicolorida. Foto: André Pessoa.

Como atração à parte, o centro aninha uma colorida feira de artesanato. Suas pequeninas lojas exibem gorros, luvas, echarpes e blusas de lã, além de artigos típicos confeccionados em madeira, argila, pedra e couro. Mas é na saída da cidade que encontra-se um de seus principais cartões-postais: o mirante Cerro Mackay, um cantinho de onde Coyhaique parece ter sido emoldurada em um quadro.

O pulsante e efervescente centro da capital de Aysén. Foto: Fabíola  Musarra

Localizada a 213 km ao nordeste de Coyhaique, Puerto Puyuhuapi é uma cidadezinha de menos de 600 habitantes e de arquitetura com forte influência alemã que também merece ser visitada. De seu porto é feito o embarque às Termas de Puyuhuapi Lodge & SPA, um hotel que tem à sua frente um deslumbrante fiorde banhado pelo Oceano Pacífico e é rodeado por montanhas nevadas.

 

O fiorde que banha Puyuhuapi. Foto: Jaime Borquez

Além de todas as comodidades, o lodge tem como charme a mais as águas vulcânicas que aquecem suas piscinas e as torneiras de seus chuveiros e banheiros. Imperdível mesmo é o passeio de barco pelo fiorde, oferecido pelo hotel. Em sua verde imensidão de múltiplas tonalidades de neons, o oceano brinca com a superfície, criando, com seus incansáveis vaivéns, recortes únicos em suas margens.

Em 1960, porém, um terremoto assoreou o Rio Aysén, impedindo a chegada de grandes navios ao seu porto. Dos antigos tempos de Puerto Aysén, hoje resta a Presidente Ibañez, a maior ponte suspensa do país, com 210 m de comprimento. E é por essa ponte de estrutura vermelha sobre o Rio Aysén que se chega a Puerto Chacabuco, ponto de hospedagem e de inesquecíveis passeios.

Ponte Ibañez: a maior ponte suspensa do Chile. Foto Jaime Borquez

Ladeado por casinhas de madeira, o Loberías Del Sur propicia a quem nele se hóspeda uma visão panorâmica sobre o fiorde que se estende à sua frente e é abraçado por montanhas de picos nevados. O ponto alto do empreendimento, porém, é o passeio até a geleira San Rafael, feito apenas com o catamarã Chaitén, da empresa Catamaranes Del Sur, cujos proprietários são os mesmos do hotel e do Parque Aiken Del Sur.

Ainda que seja Verâo ou Primavera, a Patagônia guarda traços da Cordilheira dos Andes. Neve sempre brinda a paisagem de cabanas, parques… Foto: Wikipedia

Ícone andino – Poucos mortais, incluindo os chilenos, têm o privilégio de conhecer o Parque Nacional Laguna San Rafael, onde mora a geleira homônima, uma monumental parede de gelo de 2 km de largura e mais de 300 m, dos quais 70 m estão acima da água e os outros 230 m, submersos. São necessárias cinco horas de navegação para chegar até a lagoa, distante 220 km de Puerto Chacabuco. Por isso, a viagem começa logo cedo, às 7 horas, com o café da manhã sendo servido no Chaitén.

Laguna San Rafael, chile Foto Jaime Borquez
Icebergs são comuns no cenário que conduz à San Rafael. Foto: Jaime Borquez

Depois de atravessar fiordes, árvores centenárias e montanhas nevadas, o catamarã chega ao Rio Tempanos, de onde já é possível admirar a majestosa geleira de 45 km de longitude e que é só uma pequena parte do Campo de Gelo Norte, a maior massa contínua de gelo situada fora das regiões polares, com 4,2 mil km2 de área.

Geleira San Rafael, Patagônia chilena
Trajeto de cinco horas em catamarã com destino à geleira. Foto: Jaime Borquez

Como se tivesse sido cuidadosamente encaixada nas montanhas, a geleira impera soberana na lagoa repleta de blocos de gelo azuis e brancos. A cor tem a ver com o reflexo do sol e também com a idade: quanto mais azulado ou transparente, mais antigo é o iceberg.

A monumental parede de gelo tem 2 km de largura e mais de 300 m de altura, dos quais 70 m estão acima da água e os outros 230 m, submersos. Foto: Jaime Borquez

O maior êxtase, contudo, fica por conta do desprendimento de pedaços de gelo da geleira, um espetáculo que provoca ondas, algumas delas enormes. Como icebergs também podem se soltar, os botes infláveis que conduzem turistas precisam manter uma distância de 500 m do gigantesco templo branco erguido pelo deus tempo ao longo de mais de 30 mil anos.

Mesmo assim, a visão é indescritível! Nas outras cinco horas da volta a Puerto Chacabuco, funcionários do catamarã servem uísque com pedras de gelo recolhidas em San Rafael. O brinde coroa o fim de um dia de absoluta magia.

Hotel Loberias del Sur, Patagônia chilena
Puerto Chacabuco abriga uma reserva natural, lar de diversas espécies de fauna e flora endêmicas. Foto: Divulgação

Puerto Chacabuco não possui apenas o principal porto de Aysén. A cidade também abriga o Parque Aiken del Sur, uma reserva natural localizada a 15 minutos do hotel. Pelas suas trilhas bem sinalizadas encontram-se intrigantes espécies de flora nativa da Patagônia chilena.

Os canoles e as lumas são algumas delas. O primeiro ainda hoje é usado em rituais sagrados pelos mapuches. Já a segunda, de tão dura, era usada para a confecção de cassetetes para a polícia. Exótica também é a nalca, uma planta pré-histórica comestível.

Cabana aos pés da Cordilheira dos Andes chilena. Foto: Wikipedia

Paisagens fascinantes e singulares aliadas ao carinho e à amabilidade dos chilenos são a marca registrada desse encantador pedacinho de terra chamado região de Aysén, o mágico paraíso perdido no extremo sul do continente onde deixei parte de meu coração.

 

SERVIÇO

Tehuelche Patagônia Tour: www.tehuelchepatagoniatour.cl/contato@tehuelchepatagoniatour.cl

Fazenda Três Lagos: fica 274 km ao sul de Coyhaique, www.haciendatreslagos.cl

Puyuhapi Lodge e SPA: www.patagonia-connection.com

Loberías Del Sur Hotel: www.loberiasdelsur.cl

Catamaranes Del Sur: O passeio até a Laguna San Rafael só pode ser feito entre setembro e abril em razão das condições climáticas. Custa US$ 420 e inclui café, almoço, petiscos e bebidas. www.catamaranesdelsur.cl.

 

 Crédito da abertura do texto: A Cordilheira dos  Andes, pelas lentes de André Pessoa.

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