RORAIMA – Na terra de Macunaíma

Fumaça de água no Monte Roraima. Foto André Pessoa
O Monte Roraima visto do Alto. Foto: André Pessoa

 

Com savanas, serras e florestas amazônicas, Roraima é um paraíso para quem gosta de natureza. Situado no extremo Norte do País, o Estado abriga o Monte Roraima, um marco da tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela e o lar do mais famoso personagem do escritor modernista Mário de Andrade.

Por Fabíola Musarra 

Desde pequena sou apaixonada por lendas e pela cultura de outros povos. Talvez venha daí o encantamento que senti ao conhecer Roraima, um lugar que até então, para mim, era totalmente abstrato e restringia-se apenas a um pedacinho colorido do mapa do Brasil. No entanto, o Estado, para minha completa surpresa, é pura magia e verde, verde e mais verde, cor que neste cantinho tupiniquim é na maioria das vezes sinônimo de muita adrenalina.

 

Sobrevoo em Roraima - André Pessoa
Sobrevoo em Roraima. Foto: André Pessoa

 

Calma! Eu explico: magia porque é um solo onde as lendas deliciosamente brotam dos lábios dos caboclos, índios e ribeirinhos que ali vivem. E adrenalina porque suas serras e rios, com cachoeiras e corredeiras, são o paraíso para os amantes do ecoturismo. Não bastasse, há ainda as extensas áreas de savanas (também conhecidas como lavrado ou cerrado), florestas amazônicas e serras. Todos eles são cenários perfeitos para a observação da fauna e da flora e para a prática de esportes radicais, do mountain bike e rafting ao paraglider.

 

Reserva indígena em Roraima

 

Pouco divulgado e situado lá no extremo Norte do País, o Estado é um lugar de sonho. Pequenino – possui apenas 15 municípios, onde vivem pouco mais de 350 mil habitantes, incluindo os índios de várias etnias – wai-wai, taurepang, macuxi, wapixana, ianomâni, só para citar algumas.

 

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Oca em aldeia indígena em Roraima. Foto: Andréia Texeira

 

As tribos convivem em harmonia numa das maiores reservas indígenas do País, a Raposa Serra do Sol, ocupando a maior parte da faixa territorial que faz fronteira entre a região nordeste do Estado de Roraima  e a Venezuela (situa-se entre a selva amazônica e as montanhas).

 

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Cume do Monte Roraima. Foto: Estados e Capitais

 

Cartão-postal do Estado, o Monte Roraima é marco da tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana. Lendas locais afirmam que a montanha de mais de dois bilhões de anos e de 2.875 metros de altura é a morada de um ancestral guerreiro dos índios de origem karib, concebido por algumas etnias como um deus da natureza: o Makunaima.

Resultado da fusão de maku (mau) e o sufixo aumentativo ima (grande), seu nome significa grande mau. Contam os nativos que, quando contrariado, o bravo Makunaima enviava, lá do alto do Monte Roraima, raios, trovões e tempestades, castigando ferozmente as tribos ao aniquilar suas terras e colheitas com os “grandes males” vindos da montanha.

Volta e meia, Makunaima se transformava em onça para ver o que estava acontecendo em seu reino, que se estendia até o Rio Orinoco, na Venezuela. Numa dessas vezes, constatou que seu território estava sendo invadido. Ficou possesso e convocou seus guerreiros. Lutaram, lutaram e venceram a guerra, exterminando todos os intrusos.

 

Monte Roraima

 

Extremamente ferido e cansado, Makunaima rumou para o Monte Roraima. Lá chegando, adormeceu. Ali permanece dormindo até agora, mas a qualquer momento pode despertar. Se o que encontrar em seu reino não lhe agradar, nós, os humanos, sentiremos toda a força do mal que habita a montanha.

Mas essas não são as únicas lendas que envolvem este personagem mítico. Em Roraima, há uma versão bem mais popular e que teria sido uma das fontes de inspiração para o escritor Mário de Andrade, no romance modernista Macunaíma, lançado em 1928. Segundo essa narrativa, o Sol era apaixonado pela Lua, mas nunca se encontravam. Quando o Sol ia se pondo, era hora de a Lua começar a nascer. Assim viveram por milhões e milhões de anos.

Certo dia, o Sol se atrasou um pouco (eclipse) e finalmente o encontro aconteceu. Seus raios dourados refletiram, juntamente com os raios prateados da Lua, em um lago de águas cristalinas da enorme montanha que repousa no meio dos imensos campos de Roraima. Nesse encontro, Macunaíma foi fecundado. Curumim esperto, teve como berço o Monte Roraima. Cresceu forte e tornou-se um índio guerreiro. Os índios macuxi o proclamaram herói de sua tribo.

 

Boa Vista - Foto Orib Ziedson
A capital do Estado: a lindíssima Boa Vista. Foto Orib Ziedson

 

 

Inspirada em Paris

Lendas à parte, Roraima é mesmo um paraíso repleto de inigualáveis tesouros. Única capital brasileira situada acima da linha do Equador, Boa Vista fica às margens direita do Rio Branco, que percorre o Estado até se encontrar com o Rio Negro, no Amazonas.

Inspirada em Paris, na França, a capital é apenas uma pequena amostra da exuberante beleza do Estado. Com largas avenidas, a cidade foi planejada em formato de um leque – suas principais avenidas saem do centro e convergem para a Praça do Centro Cívico, onde ficam as sedes dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

 

As avenidas largas de Boa Vista - Foto Tiago Orihuela
As avenidas largas de Boa Vista. Foto: Tiago Orihuela

 

À noite, as luzes amarelas imprimem um ar totalmente romântico às ruas de Boa Vista. Caminhar em silêncio pelo centro histórico, saboreando lentamente o efeito dessa tênue iluminação em seus principais atrativos é algo indescritível, um daqueles momentos mágicos que ficam gravados na memória da gente para sempre.

 

Boa Vista -Tiago Orihuela
A Orla Taumanan, em Boa Vista. Foto: Tiago Orihuela

 

Pouca coisa no mundo é comparável às cenas que a seguir se revezam diante do olhar: os barzinhos e restaurantes da Orla Taumanan (em macuxi significa paz), às margens do Rio Branco. Dividido em plataformas e amplamente arborizado, esse espaço suspenso é ideal para intermináveis bate-papos, caminhadas ou mesmo para não fazer nada: simplesmente parar e assistir a um por do sol.

 

Jardins de Roraima Foto Tiago Orihuela
Jardins da orla de Boa Vista. Foto: Tiago Orihuela

 

Com seus caprichados jardins, canteiros floridos e uma vista privilegiada das embarcações que passeiam na imensidão do rio, essa área verde ao ar livre também é o point onde acontecem efervescentes shows, com direito a muito agito e azaração. Ainda no centro ficam a Matriz Nossa Senhora do Carmo, cuja construção começou em 1892, e o Monumento aos Pioneiros, uma escultura em alto relevo de concreto que reproduz o perfil do Monte Roraima.

 

Monumento -Tiago Orihuela
Centro de Boa Vista. Foto: Tiago Orihuela

 

A obra destaca a figura de Macunaíma como primeiro habitante do Estado e descreve um longo período histórico, retratando os elementos étnicos – os povos indígenas, os nativos e os pioneiros que ali chegaram a pé, a cavalo ou em canoas, formando o povo roraimense.

 

Monumento em Boa Vista -Tiago Orihuela
O Monumento aos Pioneiros em Boa Vista. Foto: Tiago Orihuela

 

A cidade reúne ainda várias outras edificações que merecem ser conhecidas. Entre elas, a Intendência, a casa de estilo neoclássico de João Capistrano da Silva Mota, o primeiro intendente da cidade, em 1790; a Praça das Águas com suas diversas fontes; o Centro de Artesanato Velia Sodré Coutinho; e o Monumento ao Garimpeiro, uma homenagem àqueles que trabalharam arduamente no garimpo em busca de ouro, diamantes e outras pedras preciosas, ajudando no desenvolvimento econômico do Estado.

Boa Vista é uma capital plana, inclusive visualmente – por enquanto, só abriga dois prédios de poucos andares. Nela, tudo é muito limpo e bem cuidado. Há árvores e flores por todos os cantos. Por suas largas avenidas projetadas em 1940, o trânsito flui e o automóveis não ficam horas presos naqueles infernais congestionamentos tão típicos das metrópoles urbanas.

 

A Av Capitão Júlio Bezerra em Boa Visra
A Avenida Capitão Júlio Bezerra, uma das principais da capital do Estado.

 

Nem por isso os pedestres são desrespeitados. Ao contrário: habitualmente, os motoristas param quando alguém vai atravessar a rua. Nas entradas da cidade, aliás, há vários comunicados alertando a quem vem de fora que ali se respeitam as faixas de pedestre.

 

Rodovia BR 174 - Foto Jayth Chaves Filho
Trecho asfaltado da Rodovia BR 174. Grande parte do percurso ainda é uma estrada de terra. Foto: Jayth Chaves Filho

 

Pés na estrada

O aeroporto internacional de Boa Vista é a principal porta de entrada para o Estado, que diariamente assiste ao incessante vaivém de vôos nacionais e do Exterior. De carro, a Rodovia BR-174 é uma opção para quem deseja percorrer todo o território roraimense, de sul a norte. Para quem pretende ir mais além, a estrada estende-se até a fronteira com a Venezuela, onde conecta-se com outra que vai até o Caribe venezuelano.

Essa importante estrada federal, aliás, empresta seu nome a um recém-criado destino turístico do País: a Rota 174 – Amazonas/Roraima. Resultado de uma parceria entre os governos dos dois Estados, com o apoio do Ministério do Turismo e a consultoria do Sebrae, o trajeto começa em Manaus e vai até Presidente Figueiredo, ambas cidades do Amazonas.

 

Rosto na Serra do Tepequem (1)
Rosto de um índio “esculpido” pela natureza na Serra do Tepequém. Foto: Andréia Texeira

 

Depois, já em Roraima, segue para Rorainópolis, Caracaraí, Boa Vista, Amajari (de onde pode-se chegar à linda Serra do Tepequém) e Pacaraima. De Manaus até Pacaraima – último município brasileiro do roteiro, quase na divisa com a Venezuela – são 989 quilômetros de estrada pavimentada.

Ao longo deles, as atrações são incontáveis. Em Roraima – onde concentra-se a maior parte do novo roteiro turístico –, as paisagens modificam-se radicalmente à medida que se percorrem os cerrados, as florestas amazônicas e as serras. A vegetação também sofre interferência do clima. A exemplo do Amazonas, o Estado tem duas estações climáticas bem definidas: a seca, de outubro a março, quando seu solo é “tingido” pelos tons amarronzados dos lavrados, com seus incontáveis pés de buriti (Mauritia flexuosa).

Como essa espécie de palmeira funciona sempre como infalível indicativo da existência de água, elas surgem em abundância nas veredas e nas margens de igarapés, lagos, riachos, cachoeiras, brejos e nascentes de Roraima. Também é no período de seca que o volume de águas dos rios diminui, desenhando deslumbrantes praias fluviais em suas margens.

Já na temporada da cheia, de abril a setembro, as chuvas são constantes. O verde volta a renascer, inaugurando um colorido diferente ao Pantanal da Amazônia, como o Estado também é conhecido. Com chuva ou não, lá é sempre muito quente, com temperaturas que variam de 20°C a 38°C.

 

Buriti

 

Durante todo o percurso da Rota 174, os ecossistemas se alternam. No centro do Estado, onde as savanas dão lugar à densa floresta tropical, está Caracaraí. Situado a 155 quilômetros de Boa Vista, o município tem como ponto alto o Rio Branco e é cortado por vários outros rios que formam extensas várzeas durante a estação chuvosa, atraindo grande variedade de animais. Com menos de 18 mil habitantes, Caracaraí é considerada uma cidade-porto, já que é ainda agora é uma das principais responsáveis pelo abastecimento de Roraima, sobretudo no que diz respeito ao petróleo.

Embora o transporte fluvial desempenhe papel de extrema importância na economia do Estado, a natureza ali também ocupa papel de destaque: este município abriga a Cachoeira do Bem-Querer, um lugar ideal para canoagem, pesca esportiva, passear de caiaque e conferir de perto algumas inscrições rupestres.

Caracaraí possui ainda duas estações ecológicas: Niquiá e o Complexo Ecoturístico Ilha de Jaru, onde é possível conhecer parte da exuberante fauna e flora regionais. Mas, atenção: por já ter sido vítima de atos de vandalismo, o complexo costuma permanecer fechado boa parte do ano. Assim, antes de ir, é melhor se informar na prefeitura local, na Praça do Centro Cívico, telefone (95) 3532-1234.

Por falar em belezas naturais, próximo de Caracaraí ficam duas das maravilhas do Estado: o Parque Nacional Serra da Mocidade e – vizinho a ele – o Parque Nacional do Viruá. Recém-criados, ambos integram o Programa de Áreas Protegidas na Amazônia (Arpa), do Governo Federal, e estão sob os cuidados do Ibama.

Com acesso feito por barcos a partir de Caracaraí, o primeiro ainda não está aberto ao público. Já o segundo lentamente começa a receber seus primeiros visitantes, porém as visitas têm de ser agendadas pelos telefones (95) 3624-3712 e (95) 8114-5411.

Mas é depois de Pacaraima, lá na divisa com a Venezuela, que a Rota 174 esconde o seu maior tesouro: o paradisíaco Monte Roraima. O acesso à moradia do deus Makunaima, aliás, somente pode ser feito pelo lado venezuelano – do lado brasileiro, um dos obstáculos que impossibilitam a subida ao cume da montanha é um paredão rochoso de mais de mil metros de altura, praticamente impossível de ser escalado.

Na Venezuela, a visita ao local é feita com o acompanhamento dos índios pemons, pois são eles quem melhor conhecem a região. O lugar e todo o trajeto até a montanha são tão exageradamente lindos que não é nada difícil entender por que este é considerado um solo sagrado. Não é à toa que também é a terra do nosso Macunaíma. Afinal, o nosso herói sem caráter de bobo não tem nada.

Lula, o contador de histórias

Talvez a melhor expressão de Roraima seja uma figura que atende pelo apelido de Lula. Autodidata, Luciano Alvarenga, como é o seu nome, é mecânico. Nas horas vagas ou quando os turistas o convocam, é um guia apaixonado pela terra que adotou – nasceu em Manaus (AM) e aos dez nos foi morar com o avô em Roraima.

Aos 44 anos e pouco mais de 1,70m de altura, Lula é, na verdade, um contador de causos. Em suas histórias – nunca narradas em menos de 30 minutos (a mais curtinha) – , ele vai linkando outras. Tantas outras que às vezes até se esquece da original, aquela que deu início a conversa.

Suas versões são sempre interpretadas por ele. Assim, o buriti “ganha” cabelos que voam ao sabor do vento, a onça leva uma baita surra dele e corre assustada para a floresta, enquanto Lula, heroicamente, protege o grupo que o acompanha. As cenas são de chorar de rir. E as caretas, então, nem se fala…

Mas o delicioso na prosa deste caboclo matuto é que mais do que narrar as lendas das diferentes cidades roraimenses – por onde a gente passa sempre tem uma –, ele ensina nomes de rios, serras, pássaros e bichos que a gente nem imagina que existam. Saborosamente, conta com maestria as maravilhas da terra que o acolhe desde menino.

A Lula Jingle, empresa de sua propriedade, pode ser contatada pelo e-mail: lulajingle@yahoo.com.br, tel. (95) 9965-2222.

 

SERVIÇO

Em Boa Vista

Onde ficar:

Hotel Aipana Plaza – Praça do Centro Cívico, tel. (95) 3224-4800, site: www.aipanaplaza.com.br.

Onde comer:

Recanto da Peixada Av. Major Williams, 22, São Francisco, tel. (95) 3224-2975.

 

Cacheira Jaspe na Venezuela - Foto Andréia Texeira
A Cachoeira Jaspe, na Venezuela. Foto: Andréia Texeira

 

Rota 174

A Via Conexão, Ambiental, Landscape, MGM, Nascimento e Soft Travel integram o pool de operadoras da Rota 174. O roteiro pode ser percorrido em trechos ou em sua totalidade, incluindo visita e pernoite em Santa Elena de Uairén e à belíssima Cachoeira Jaspe, na Venezuela. Tanto esse como outros pacotes podem ser adquiridos nas seguintes agências de turismo:

Onde comprar:

Em Roraima – Makunaima Expedições, site: www.makunaima.com, tels. (95) 3624-6004 (95) 8111-7669; Roraima Adventures, site: www.roraima-brasil.com.br, tels. (95) 3624-9611 e (95) 3623-6972; e Lula Jingle (e-mail: Lulajingle@yahoo.com.br, tel. (95) 9965-2222.

No Amazonas – Swallows and Amazons Turismo (site: www.swallowsandamazonstours.com), Amazônia Ecolazer Expedições e Aventuras (site: www.amazoniaecolazer.com.br) e Amazon Adventure Viagens e Turismo (site: www.amazonadventure.tur.br).

Quem leva: Gol Linhas Aéreas Inteligentes – site: www.voegol.com.br

0 thoughts on “RORAIMA – Na terra de Macunaíma

  1. Não sou de Roraima mais amo essa terra de paixão, na verdade sou uma roraimense misturada com amazonense… Roraima tem muitas coisas lindas, muitos lugares maravilhosos, e pra quem gosta de lendas este é o lugar certo. So qro dizer que sou feliz aonde moro que aqui é o pariso. bjs.

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